O lado sombrio do novo líder europeu

Entre as sombras que pairam sobre Macron está a forma como o seu Governo está a lidar com a crise migratória que assola a Europa – e a França.

Esta foi uma das consequências da eleição de Trump, cujo primeiro ano como Presidente passou agora, e da sua agenda isolacionista cada vez mais cega, pondo em causa as parcerias com aliados históricos tão importantes como o Reino Unido, agora a vogar desamparado num oceano de incógnitas motivadas pelo “Brexit”. O facto é que Emmanuel Macron se tornou o líder informal da Europa e até de um Ocidente sem bússola, pelo menos o único chefe político com um projecto de reconstrução das estruturas europeias e das relações internacionais.

Os efeitos da sua consagração fizeram-se sentir, por estes dias, nas cimeiras que manteve com Theresa May e Angela Merkel, duas chefes de Governo muito fragilizadas nos respectivos países (a primeira pelo “Brexit” e as convulsões internas do seu executivo; a segunda pelas dificuldades em formar uma nova coligação depois dos resultados frustrantes das últimas eleições). May precisa de um apoio na Europa para não ficar a navegar sozinha num mar de horizontes ameaçadores. E o "guia de marcha" europeu de Macron é aquele que resta a Merkel para poder encontrar uma plataforma governativa com o SPD. Quando a França se torna uma âncora para o Reino Unido e até para a Alemanha, o destino do jovem Presidente francês parece continuar impulsionado pelos ventos do destino que, contra quase todos os prognósticos, o fizeram chegar ao Eliseu.

Mas se Macron ganhou já um estatuto de iluminado político, as primeiras sombras ameaçam projectar-se no seu caminho. E entre elas paira, sobretudo, a forma como o seu Governo está a lidar com a crise migratória que assola a Europa – e a França. Apesar das promessas feitas durante a campanha presidencial e nos primeiros meses do seu mandato sobre uma abordagem mais "humana" da questão, as recentes medidas tomadas pelo ministério do Interior francês para controlar o fluxo migratório parecem ir no sentido oposto e constituem "uma negação de humanidade insuportável", segundo o Nobel da Literatura J.M.G. Le Clézio, num artigo publicado no penúltimo L’Obs (e ao qual Macron se teria mostrado particularmente susceptível).

A política do Governo francês é, genericamente, a de separar os imigrantes em fuga das zonas de guerra daqueles que tentam escapar da miséria e da fome nos respectivos países – os primeiros teriam direito a asilo e os segundos seriam repatriados –, recorrendo a métodos brutais como a destruição dos acampamentos improvisados e hostilizando as organizações de apoio humanitário.

Como em tempos afirmou Michel Rocard, a França "não pode acolher toda a miséria do mundo" e, por outro lado, a grande maioria dos franceses – e dos europeus – manifestam uma viva oposição à vaga migratória, por razões de segurança e temor do terrorismo. Mas, precisamente, o triunfo das razões securitárias sobre as razões humanitárias acaba por revelar a impotência política para lidar com um fenómeno que extravasa as fronteiras da Europa actual. E se não há soluções satisfatórias para lidar com o problema, são os métodos empregues para resolvê-lo que levam um núcleo significativo dos apoiantes de Macron a questionar a duplicidade que o Presidente tem manifestado sobre a questão (um dos subscritores de uma importante tribuna publicada no Le Monde é o autor do programa eleitoral de Macron, o economista Jean Pisani-Ferry, outro motivo de desagrado presidencial).

A crise migratória está instalada no coração da Europa e não haverá – se houver – solução para ela sem ser à escala europeia. Em todo o caso, é ilusório pensar que a refundação da Europa proposta por Macron pode escamotear uma questão central dos direitos do homem – sobretudo no país que os consagrou como valores fundamentais.

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