Fortalecer a democracia

A fiscalização e a existência de regras não é puritanismo — é preservação da democracia. É um modo de prevenir que os políticos não sejam submetidos a chantagens e a pressões de interesses privados que ponham em causa o interesse público, devido à sua vida privada, devido a acções ou comportamentos menos lícitos.

O desgaste da imagem dos políticos em Portugal, bem como na Europa, é um dado adquirido. Compete em parte substancial aos próprios reabilitá-la, o que passa pela dignificação do exercício da política, bem como pela credibilização da sua prática e do seu discurso. É verdade que o novo mundo digital veio mudar o contexto da relação dos políticos com a sociedade. É também evidente que a aceleração do tempo histórico, que essa revolução digital trouxe e o subsequente imediatismo, alterou radicalmente os timings da práxis e dos ciclos políticos. E é  claro que as consequências do novo tempo passam pela diminuição do peso e do poder dos políticos, transferidos para os poderes económicos e financeiros.
O reequilibrar do peso dos políticos passa em muito pela sua dignificação e credibilização no exercício dos mandatos para que são eleitos ou nomeados. E isso, no mundo de hoje, não se faz através de um regresso a torres de marfim. Terá de passar pela abertura e pela relação transparente com a sociedade. Um princípio que o mais elementar bom senso ditava que tivesse estado presente no vergonhoso caso da aprovação da lei dos financiamentos.
Por isso é tão importante o debate em curso na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência em Funções Públicas da Assembleia da República. A criação de regras mais apertadas e coerentes de fiscalização do exercício dos mandatos dos cargos políticos e dos altos cargos de Estado, assim como a criação de critérios de fiscalização que possam funcionar de facto e que tenham, para isso, meios são pressupostos necessários à criação de condições para a reabilitação dos políticos perante os cidadãos.
As propostas em discussão são múltiplas. Há soluções novas para o “enriquecimento ilícito”, em que se espera que possa haver acordo entre o PS e o PSD, de modo a que o Tribunal Constitucional não volte a chumbar a lei. Assim como é de louvar a criação de regras para os lobbies, o aumento de impedimento aos deputados-advogados na sua relação profissional com o Estado, bem com o apertar dos regras para os deputados que são gestores ou detêm participações em empresas. Tal com é positivo o alargamento das declarações de interesses aos magistrados ou o aumento do carácter sancionatório a quem não as entregar, através da criminalização.
Já menos significativo poderá ser a criação de uma nova Entidade para a Transparência em Funções Públicas. O exercício da fiscalização pode continuar a ser feito por uma secção do Tribunal Constitucional — basta que esta tenha meios reais, por exemplo, humanos, para garantir a sua operacionalidade.
A criação de regras coerentes e sólidas não é uma questão de desconfiança, nem de achar que os políticos são à partida corruptos. É uma questão de garantia para a sociedade de que os actores públicos e políticos se movem num tabuleiro que está preparado para que as pessoas possam neles confiar.
A ética de exigência pública em democracia perante os cargos de Estado, o princípio de que os políticos e os ocupantes de altos cargos públicos devem estar sujeitos a um apertado escrutínio das sua vida pública, mas também privada, não advém de voyeurismo ou de um espírito de policiamento justicialista. A fiscalização e a existência de regras não é puritanismo — é preservação da democracia. É um modo de prevenir que os políticos não sejam submetidos a chantagens e a pressões de interesses privados que ponham em causa o interesse público, devido à sua vida privada, devido a acções ou comportamentos menos lícitos.
Daí a importância da fiscalização, da declaração de interesse, do assumir de conflitos de interesses, da transparência. E por que razão não alargar estes critérios também aos jornalistas? O jornalismo é um agente da democracia e é ao jornalismo que cabe em parte um papel de escrutínio dos políticos. Qual a lógica de exigir aos outros o respeito por regras a que não se está sujeito? Não seria esta uma forma de credibilizar também o jornalismo?

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