Para que serve (e não serve) a regulação do lobbying?

Com mais ou menos pormenores, todas as definições de lobbying se resumem a “comunicações e contactos que visam influenciar uma decisão pública ou política”.

Graças a duas iniciativas legislativas (do CDS e do PS), tudo indica que teremos em breve a primeira lei de lobbying em Portugal. Que, bizarramente, não parece responder à questão de partida: para quê regular o lobbying? Sem este problema de base, as propostas em cima da mesa arriscam-se a regular o lobby legítimo sem beliscar o sistema de pressões ilegítimas.

Com mais ou menos pormenores, todas as definições de lobbying se resumem a “comunicações e contactos que visam influenciar uma decisão pública ou política”, sendo que daqui se depreende que qualquer indivíduo que exerça pressão com este objectivo está a fazer lobbying, seja ele lobbyista profissional, advogado, representante de uma ou várias empresas ou de uma organização da sociedade civil. Estas dinâmicas não se regulam por decreto (podem nem precisar de lei), exigem sim abordagens integradas.

Para evitar expectativas irrealistas, comecemos por discutir para o que não serve a regulação. É frequente, no seguimento de escândalos envolvendo relações pouco claras entre o poder político e o económico, ouvir por parte de comentadores que é fundamental regular o lobbying. Ora, a regulação desta prática, só por si, jamais evitará a corrupção ou o tráfico de influências, assentes na garantia de uma decisão favorável em troca de uma compensação, como não trará à luz do dia influências que se querem manter ocultas. Também não evitará que decisores públicos mantenham contactos com grupos de interesse que se inserem nos seus círculos sociais - amigos, familiares ou parceiros de golfe. Nem tão pouco porá termo aos canais de influência criados pelas portas giratórias que permitem a políticos circular entre o público e o privado e pelos interesses que os deputados acumulam sem qualquer supervisão. Estes problemas devem ser tratados através de outros diplomas legislativos.

A regulação da actividade de lobbying profissional é bem-vinda, mas não de forma isolada. Aliás, só se justifica em contextos em que a dimensão da indústria é significativa ou que tenha crescido de forma acelerada, como no Reino Unido – o que não é manifestamente o caso português. De resto, regulações mal desenhadas assentes em simples registos - voluntários ou obrigatórios - não só se têm revelado inúteis como podem conduzir a distorções de mercado no sector das consultoras de lobbying. Inúteis, porque os registos podem não ser mais do que umas páginas amarelas de representantes de interesses, sem revelar o que de facto importa: em que matérias querem influir, com que posição e junto de quem. No limite, até se poderiam registar entidades que não se reúnem com ninguém, apenas para se publicitarem. Em contextos onde operam poucas empresas de lobbying, como em Portugal, os registos podem até contribuir para a formação de oligopólios, onde as incumbentes se estabelecem, dificultando a entrada de novos players no mercado.

Posto isto, colocam-se duas questões: para que serve a regulação do lobbying e que efeitos positivos pode ter para a sociedade e a democracia? Uma regulação adequada oferece benefícios em duas dimensões: a transparência dos processos decisórios e a igualdade de acesso a esses processos. A transparência de procedimentos é fundamental para a legitimização de uma decisão e a opacidade pode miná-la, como vimos na lei de financiamento dos partidos.

A regulação do lobbying gera transparência se tornar públicos os interesses que contribuíram (ou que foram logrados) para uma determinada opção política ou administrativa. Trata-se de identificar aqueles que legitimamente defendem as suas posições e que hoje em dia se mantêm opacos por simples falta de publicidade e não porque desejam activamente manter-se na penumbra. Já a igualdade de acesso aos decisores por parte de todos – cidadãos, empresas e outros interesses colectivos menos bem relacionados com o poder político – também pode beneficiar de uma lei de lobbying assente na transparência. Será mais fácil acompanhar processos legislativos e administrativos e intervir antes de uma decisão estar fechada. Grupos com interesses divergentes poderão apresentar os seus argumentos, com menor risco de um deles capturar o decisor público por falta de contraditório. Por outro lado, será mais difícil a um decisor recusar ouvir um representante de interesses depois de ser público que recebeu um grupo oposto.

Processos de decisão mais públicos e transparentes não impedem a actuação de interesses nos bastidores, mas dificultam o seu sucesso porque exigem do decisor mais argumentos para justificar uma opção que beneficiará apenas ou principalmente determinados interesses privados. A ser desenhada com vista a aprofundar a relação políticos-cidadãos, melhorar a qualidade das decisões e a sua transparência, a regulação será muito bem-vinda. Mas exigirá vontade e coerência políticas. Que poderiam começar pela publicitação dos interesses que foram ouvidos pelo PS e o CDS durante a redação dos projectos.

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