Como melhorar a integração de refugiados? Com um algoritmo que “dê” empregos

É possível melhorar os índices de empregabilidade dos refugiados. Uma equipa de investigação determinou que a integração económica pode ser melhorada com um algoritmo feito a partir do histórico de colocação de refugiados.

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Refugiados de Djibuti e da Somália na fronteira entre o Canadá e os EUA, em Março de 2017 Chris Wattie/Reuters

A política de colocação de refugiados tem criado problemas na alocação de pessoas pelos diversos países que as acolhem. O que uma investigação, publicada na revista Science esta sexta-feira, propõe é um complemento ao método actual: usar um algoritmo que, com base nas características de cada refugiado, os coloca nos locais com maior probabilidade de se integrarem e arranjarem emprego, dentro do país atribuído.

O processo é bastante simples – ou pelo menos parece. Baseando-se nas características dos refugiados (como o país de origem, as línguas que falam, o género, a idade), dados sobre o tempo de chegada, o país consignado e a empregabilidade, o algoritmo criado pela equipa de investigadores do Laboratório de Políticas Migratórias (da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e do instituto ETH de Zurique, na Suíça), em conjunto com a Faculdade de Dartmouth (EUA), descobre a cidade ou a vila onde determinada pessoa terá mais hipóteses de singrar. O que a equipa liderada por Kirk Bansak, investigador em ciências políticas da Universidade de Stanford, fez foi optimizar o trabalho que é realizado diariamente por voluntários e instituições. E as conclusões são positivas: “A atribuição do algoritmo aumentou consideravelmente a empregabilidade esperada de um refugiado”, referem os autores no artigo científico.

“Algumas intervenções políticas, como assistência financeira e instrução linguística, têm sido consideradas, nos últimos anos, como possíveis soluções para a integração económica dos refugiados. Em contraste, a nossa equipa notou que tem sido dada muito menos atenção a uma das primeiras decisões feitas durante o processo de realocação: a distribuição de refugiados por diferentes locais, dentro de um país de acolhimento”, aponta Kirk Bansak ao PÚBLICO.

É a partir desta primeira decisão que, fundamentam os investigadores, todo o processo pode ser empolado. No artigo publicado, concluem que as “sinergias entre refugiados e localização geográfica” podem ter maior relevância, como comprovaram com os dados históricos dos Estados Unidos obtidos de uma das maiores agências de alocação de refugiados em idade activa e, na Suíça, da Secretaria de Estado para a Migração. Para optimizar os resultados e as sinergias referidas, foram utilizados dados de mais de 30 mil pessoas, nos Estados Unidos, colocadas entre 2011 e 2016. No caso da Suíça, compilaram dados de mais de 22 mil refugiados, entre 1999 e 2013. Na fase de testes do algoritmo, os cientistas usaram dados de cerca de 900 refugiados (em cada um dos países), com dados mais recentes (2016 no caso norte-americano, 2013 no caso suíço), por forma a simular uma situação actual.

“Os procedimentos dos países de acolhimento para determinar como alocar os refugiados pelos locais de realojamento não têm em atenção as sinergias entre refugiados e localização geográfica”, apontam os investigadores no artigo, onde concluem que a abordagem utilizada – testada com os dados dos Estados Unidos e da Suíça – é eficiente a nível financeiro e, se posta em prática antes da chegada dos refugiados, oferece uma capacidade de integração mais forte e mais sustentada. “O que é necessário, claro, é que qualquer país ou agência de colocação tenha um processo em curso onde possa seguir os resultados da integração dos refugiados, bem como recolher dados sobre as suas características pessoais”, esclarece Kirk Bansak.

“A atribuição algorítmica produziu maiores taxas de empregabilidade em quase todos os locais, incluído locais que tinham tanto maior como menor taxa de empregabilidade”, indica o estudo. Em média, nos Estados Unidos a taxa de empregabilidade passou de 34% com o actual processo de colocação para 48% na versão optimizada pelo algoritmo, o que significa um aumento de 41%. Nos dois casos estudados, a Suíça foi a que melhor respondeu às pretensões do algoritmo com um crescimento de 73% nas perspectivas de arranjar um emprego, passando assim da actual taxa de emprego de 15% para 26%.

Este é um projecto com vantagens políticas, garantindo a capacidade de qualquer governo poder definir parâmetros e critérios próprios. O próprio sistema de aprendizagem automática – daí ser apelidado de inteligência artificial – permite que não seja necessário investir para identificar as condições económicas locais, o ambiente social ou a eficácia do gabinete de alocação. Ou seja, a aprendizagem contínua da situação existente pelo algoritmo permite melhorar a própria eficácia de colocação, à medida que vão sendo recolhidos mais dados e informações. Foram também impostos constrangimentos que representam as restrições de alocação do mundo real, como quantos casos podem ser enviados para diferentes localizações.

O risco do gueto

O algoritmo funciona em três fases: modelação, mapeamento e correspondência. Ou seja, a partir da primeira fase, o próprio algoritmo – em modo data mining, mas que, simplificando, resulta num processo de inteligência artificial – aprende quais são as sinergias ideais a partir dos dados existentes sobre as entradas anteriores de refugiados no país. A partir daqui, empregando técnicas de aprendizagem automática flexíveis, podem ser descobertas correspondências novas. Assim, são analisadas as variáveis que podem ser conjugadas, por forma a criar um ambiente adequado para a integração de determinada pessoa dentro de um território. Por exemplo, poderíamos perceber que determinada nacionalidade ou faixa etária teria maior probabilidade de sucesso em Portugal, se se instalasse na região de Évora.

“A dúvida é se estes algoritmos conseguem fazer melhor do que um ser humano faria com os mesmos dados. A minha estimativa é que sim. Os dados do artigo parecem indicar isso”, aponta Arlindo Oliveira, presidente do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e autor do livro Mentes Digitais – A Ciência Redefinindo a Humanidade (IST Press).

O especialista português em aprendizagem automática adianta que quanto maior a qualidade dos dados, melhores serão os resultados, apesar de indicar a possibilidade de haver riscos. “Os algoritmos identificam características específicas que maximizam esta função [de colocar refugiados], mas essas características específicas podem conduzir a efeitos negativos”, adverte, exemplificando: “Imagine que os algoritmos determinaram que as pessoas de uma certa etnia têm mais possibilidades de serem colocadas numa certa comunidade. De facto, pode funcionar melhor, as pessoas têm mais emprego, mas podemos criar uma espécie de um gueto.”

Apesar das perspectivas positivas do estudo, os autores advertem que ainda será “necessária mais investigação, por forma a determinar se é mais eficaz optimizar resultados para o curto prazo ou para o longo prazo”.

“Estamos a trabalhar para desenvolver parcerias com agências de colocação de refugiados e governos de países de acolhimento que nos permitam testar o algoritmo e comparar o desempenho em tempo real com os procedimentos da alocação-padrão”, diz Kirk Bansak, em relação aos próximos passos do projecto.

“Estas abordagens funcionam tanto melhor quantos mais dados tivermos. Isto é uma boa razão para criar e desenvolver bases históricas do sucesso de integração [de refugiados] para depois tentar fazer previsões no futuro”, propõe Arlindo Oliveira.

Texto editado por Teresa Firmino

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