O Presidente deixou uma fava no sapatinho

O ano que se segue é de transição, com todos de olhos postos nas próximas legislativas. E promete ser desafiante.

Há um ano os fatos eram iguais e as gravatas sintonizadas na cor azul. António Costa levava uma prenda ao Palácio de Belém, nos cumprimentos de época, um défice abaixo do prometido. Marcelo, nesse Natal, respondeu com um sorriso e palavras de incentivo: o resultado era "muito importante”, até porque "as pessoas profetizaram que nunca se chegaria" a tal valor.

Este ano, na última quinta-feira, o Governo voltou a Belém para cumprir a tradição. E António Costa levou de novo ao Presidente a promessa de um défice mais baixo — um pouco como os familiares que repetem os chocolates no sapatinho. Mas Marcelo, na hora de distribuir o bolo-rei, deu a Costa aquela fatia que carrega a fava.

Eis, portanto, o ralhete do Presidente: a solidariedade institucional vai existir, “porque é a Constituição que o impõe”; o défice é para cumprir porque “os portugueses interiorizaram que é uma prioridade nacional”; a “estabilidade política” é o mais importante; a paz social é muito bonita, mas “é preciso fazer tudo por ela” nas empresas mais importantes; o povo também sente “dores, angústias, desilusões” — e é “essencial” que o Governo as saiba ouvir para que não surja contestação fora do sistema. 

“Não é difícil interpretar o que o povo quer, porque ele é claro no que diz […]. Trata-se de estar à altura”, rematou o Presidente, num discurso devidamente embrulhado num papel de sorriso, à boa maneira de um gentil pai de família. 

Ontem, último dia útil antes do Natal, o Presidente brindou o Governo de Costa e Centeno com quatro alertas sobre o Orçamento do próximo ano, que acabara de promulgar: a economia pode desacelerar; muita atenção às empresas e ao endividamento das famílias; cuidado com eleitoralismos; e, no seguimento disto, muito cuidado em não condicionar o próximo Governo — uma indirecta sobre as negociações em curso com os professores e a recuperação das suas carreiras, com custos previsíveis para a legislatura seguinte.

Quatro avisos, mais um: porque o Presidente alerta também para a dívida pública, preocupado com alguma coisa que não estamos a ver — mas que ele quis deixar devidamente registado.

Para perceber a refeição completa, adicione a sobremesa, reservada para os próximos dias: neste dia 25, enquanto António Costa passa a quadra em família, Marcelo vai a Pedrógão confortar as vítimas. E no dia 1, está prometida a tradicional palavrinha ao país, para lançar o ano novo. 

Fique atento: o ano que se segue é de transição, com todos de olhos postos nas próximas legislativas. E promete ser desafiante.

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