Tigre-da-tasmânia perdeu diversidade genética muito antes do contacto com humanos

Foi sequenciado o genoma completo do tigre-da-tasmânia, extinto há cerca de 80 anos. E descobriu-se que o predador começou a perder diversidade genética muito antes da chegada dos humanos à Austrália.

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Fotografia antiga de um tigre-da-tasmânia num jardim zoológico Museu e Galeria de Arte da Tasmânia

O tilacino, mais conhecido por tigre-da-tasmânia, foi o maior marsupial carnívoro e o único da sua família a sobreviver até aos tempos modernos. O último espécime morreu no jardim zoológico de Hobart em 1936 – há precisamente 81 anos. Agora, sequenciou-se o genoma completo deste predador – o que permitiu desvendar um pouco mais sobre a sua história evolutiva. E descobrir que a falta de diversidade genética da espécie, já anunciada num estudo anterior, precedeu a chegada dos humanos à Austrália.

O tigre-da-tasmânia apareceu há cerca de quatro milhões de anos na Austrália e na Nova Guiné, com um corpo de cão de porte médio e riscas no dorso, semelhantes às de um tigre. Tanto as fêmeas como os machos tinham bolsas abdominais, como os cangurus. E o seu triste destino foi traçado em 1888, quando se decretou oferecer uma recompensa de um dólar australiano por cada espécime abatido do predador, então considerado uma ameaça à criação de gado, em particular às ovelhas. E, muito antes disso, já tinha desaparecido da Nova Guiné.

Quando se terminou com a matança na Austrália por razões económicas, em 1909, era tarde demais. Nessa altura, o tigre-da-tasmânia já era extremamente raro no continente australiano, estando apenas presente na ilha da Tasmânia. E, embora se tenham capturado tigres para os jardins zoológicos, quando o último sobrevivente de uma espécie inteira morreu, em 1936, nada mais se pôde fazer. Os cientistas têm, contudo, tentado descobrir mais sobre ele, já se tendo falado em tentar ressuscitar a espécie através de clonagem. E, entretanto, até inspirou o telefilme The Hunter (em 2011), que conta a história de um mercenário enviado para caçar vivo o último tigre-da-tasmânia.

Até agora ainda não se tinha sequenciado o genoma completo desta espécie, mas em 2009 já tinha sido usado o pêlo de dois exemplares para estudar o genoma das mitocôndrias, as chamadas “baterias das células”. Nessa altura, descobriram-se muitos aspectos da história evolutiva do tigre-da-tasmânia, como a falta de diversidade genética que pode levar uma população à extinção, por não ser capaz de resistir a uma doença ou a uma alteração no ambiente. E que, para além da caça, também punha em causa a sua sobrevivência.

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Tilacinos, mais conhecidos por tigres-da-tasmânia Museu e Galeria de Arte da Tasmânia

Em declínio há pelo menos 70 mil anos

“Sequenciámos o genoma completo do tilacino e usámo-lo para aprender mais sobre a biologia desse enigmático marsupial”, afirma agora ao PÚBLICO Andrew Pask, um dos autores do novo estudo, publicado esta segunda-feira na revista científica “Nature Ecology and Evolution”. E a sequenciação do genoma deu-se graças a um espécime jovem, preservado há 108 anos no Museu Vitória em Melbourne (dentro de um frasco com álcool), com um ADN muito mais intacto do que outros espécimes já estudados. Foi, então, identificado um declínio acentuado na diversidade genética do tilacino há cerca de 70 mil a 120 mil anos, o que precedeu a colonização humana da Austrália (onde a nossa espécie chegou há cerca de 65 mil anos) e se sobrepõe às mudanças climáticas associadas ao penúltimo ciclo glaciar (um período de temperaturas muito baixas).

“A análise demográfica revelou uma diversidade genética extremamente baixa, sugerindo que, se não o tivéssemos caçado até à extinção, a população teria uma saúde genética muito pobre, como a do diabo-da-tasmânia”, explica Andrew Pask. “O que é interessante é que se presumia que essa perda de diversidade populacional teria ocorrido quando uma população de tilacinos (e de diabos) ficou isolada na Tasmânia há cerca de 15 mil anos, quando se fechou a ponte terrestre entre a ilha e o continente. No entanto, as nossas análises mostram que tanto o diabo como o tilacino já tinham uma diversidade muito baixa (e pouca saúde genética) muito antes disso.”

Por outro lado, a semelhança entre o corpo dos tilacinos e o dos canídeos actuais, juntamente com o facto de o último antepassado comum que partilharam remontar há mais de 160 milhões de anos, ofereceu, de acordo com o investigador, uma oportunidade sem precedentes para responder à seguinte pergunta: “Se dois animais desenvolvem corpos idênticos, também mostrarão mudanças idênticas no ADN?”

Os cientistas confirmaram que o esqueleto do tilacino era realmente semelhante ao dos canídeos, especialmente com o do lobo e o da raposa-vermelha. Também compararam o genoma do tilacino com um genoma de um antepassado dos canídeos e encontraram semelhanças entre os dois genomas, mas acreditam que essa convergência evolutiva (evolução independente de características similares), que conduziu a um aspecto parecido entre ambos, aconteceu mais por acaso e que os genes alvo da selecção natural foram, neste caso, diferentes. Por isso, os investigadores concluem que essa convergência evolutiva, que consideram excepcional, não terá resultado de uma selecção natural que tivesse actuado em genes que comandam a produção de proteínas, mas em regiões do ADN que regulam como e quando os genes são activados. 

“O nosso genoma de tilacino fornece um novo recurso para explorar ainda mais as bases moleculares da convergência fenotípica [das características observáveis nos indivíduos] em táxons [unidades associadas a um sistema de classificação, como a classe, a ordem, família ou género] distanciados”, frisa Andrew Pask. “E lança uma nova luz sobre a biologia deste marsupial e predador de topo” – cujo futuro, sabemos agora, já não era auspicioso graças à sua pouca diversidade genética. E os seres humanos acabaram por lhe ditar o fim ainda mais depressa.

 

Texto editado por Teresa Firmino

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