Na actual conjuntura “têm preponderado políticas de curto prazo”

Fernando Alexandre, coordenador do estudo sobre investimento empresarial em Portugal, diz que, em 2015, "25% das empresas se encontravam moribundas".

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Fernando Alexandre foi o responsável pela coordenação do estudo ADRIANO MIRANDA

O pontapé de saída foi dado em Março deste ano, quando o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promoveu uma conferência sobre o investimento na Fundação Gulbenkian. Dali saiu o projecto de realizar um estudo sobre o tema, dinamizado pela Gulbenkian e que acabou por ser concebido por um consórcio formado pela Universidade do Minho e pela Universidade de Coimbra.

Coordenado por Fernando Alexandre, professor associado da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, o trabalho, intitulado "Investimento empresarial em Portugal - Diagnóstico e soluções possíveis", contou com o contributo de João Cerejeira, Pedro Bação, Carlos Carreira, Gilberto Loureiro, António Martins e Miguel Portela. A apresentação, que decorrerá na sexta-feira na Universidade do Minho, contará com a participação de personalidades como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral.

Crítico da competitividade fiscal de Portugal, ou da falta dela, o estudo destaca ainda que, em 2015, 25% das empresas eram "zombies". Isto é, uma em cada quatro empresas tinha uma situação financeira débil, "com forte dependência em relação aos bancos" e estava incapaz de "cumprir as suas obrigações financeiras para com estes".

Para Fernando Alexandre, co-autor de obras como "Crise e castigo - os desequilibrios e o resgate da economia portuguesa" e que teve uma passagem pela política entre 2013 e 2015 ao ocupar o cargo de secretário de Estado Adjunto do ministro da Administração Interna no executivo PSD/CDS liderado por Passos Coelho, há "muita margem para melhorar as condições para o investimento pelas empresas portuguesas e para a atracção de investimento estrangeiro". Em respostas por escrito, diz ainda que na conjuntura actual "têm preponderado políticas de curto de prazo e não as políticas de longo prazo necessárias ao aumento do crescimento potencial da economia". 

Qual a conclusão mais importante do estudo que coordenou?
A longa estagnação que afecta a economia portuguesa desde o início do século XXI é o resultado de uma má alocação dos recursos, mais do que de baixo investimento. A existência de bloqueios à transição para uma economia com um maior peso dos sectores transaccionáveis, atrasou o processo de transformação estrutural da economia portuguesa. Para este atraso contribuíram políticas públicas erradas e erros nas decisões de atribuição de crédito por parte do sistema bancário.

Dois resultados da nossa análise sugerem que subsistem dificuldades no processo de mudança para uma economia mais dinâmica. Por um lado, concluímos que, em 2015, 25% das empresas se encontravam moribundas (zombies) – empresas com uma situação financeira muito frágil, muito endividadas, que são mantidas artificialmente pelos bancos, com o objectivo de adiarem o reporte de provisões. Estas empresas, que representavam 25% das empresas, 14% do emprego total, 7% do volume de negócios e 10% do endividamento, resultam em grandes ineficiências para a economia. Serão cruciais para o crescimento do produto potencial da economia as decisões do sector bancário em relação às empresas moribundas que continuará a apoiar e às que deixará cair.

Por outro lado, concluímos também que as empresas com maior potencial de crescimento – da indústria transformadora e exportadoras, por exemplo – assentam o financiamento dos seus investimentos em recursos próprios. É assim possível aumentar o crescimento dessas empresas diversificando as fontes de financiamento. Estas empresas são também uma oportunidade para as instituições financeiras, que podem encontrar aí projectos com um retorno mais elevado.

Refere-se que o excesso de capacidade foi o factor que mais contribuiu para a quebra de investimento privado nos últimos anos. Como é que isso se explica?
A crise financeira conduziu a uma forte quebra na procura interna, com um forte aumento do desemprego. Nesse contexto, o investimento foi fortemente afectado pela incerteza e pelo excesso de capacidade instalada. A recuperação da economia a partir de 2013 contribuiu para dissipar a incerteza e para a eliminação do excesso de capacidade, sendo este ainda importante em 2016.

Qual o papel do investimento público? Este não é um bom indutor do investimento privado?
As infra-estruturas são uma das dimensões em que Portugal aparece melhor posicionado em comparações internacionais. Dado o elevado investimento público entre 1985 e 2010, não nos parece grave os níveis mais baixos registados nos últimos anos. Todavia, é essencial garantir que as empresas têm ao seu dispor as infra-estruturas necessárias para serem competitivas internacionalmente. A análise qualitativa dos investimentos torna-se mais importante do que o seu valor em milhões de euros ou percentagem do PIB. Num contexto em que os activos intangíveis são cada vez mais importantes (design, marcas, patentes), esse princípio aplica-se também ao investimento privado.

Afinal, o que é que está a funcionar como principal travão a um maior investimento privado?
Apesar dos progressos realizados, Portugal não se posiciona favoravelmente em nenhum dos factores determinantes da competitividade, da fiscalidade às qualificações dos trabalhadores, da qualidade das instituições ao contexto macroeconómico, passando pela frágil situação financeira das empresas e dos bancos. 

Se, para além disso, tivermos em conta o contexto de fraco crescimento potencial e ainda de alguma incerteza em relação à sustentabilidade da recuperação económica (no próximo ano prevê-se uma taxa de crescimento inferior à deste ano), há de facto muita margem para melhorar as condições para o investimento pelas empresas portuguesas e para a atracção de investimento estrangeiro. 

Refere-se que “o período muito prolongado de baixo crescimento pode levar as políticas de promoção do investimento a privilegiar os efeitos de curto prazo (de estímulo da procura) relativamente aos efeitos de longo prazo (de aumento do produto potencial)”. Que tendência verifica ser mais evidente na actual conjuntura?
Um processo de mudança na estrutura da economia gera efeitos recessivos na economia, com perdas significativas no emprego. Nesse contexto, os governos tomaram medidas para conter a queda de sectores como o da construção, prejudicando por essa via o desempenho de longo prazo da economia.

Na conjuntura actual, na minha opinião, têm preponderado políticas de curto prazo e não as políticas de longo prazo necessárias ao aumento do crescimento potencial da economia.  

E o que pode e deve ser feito para promover o crescimento? Defende-se uma discriminação positiva para projectos que possam proporcionar maior impacto positivo na economia? Como?
As políticas públicas são essenciais para o crescimento económico e devem favorecer a canalização dos recursos para os sectores com maior potencial de crescimento económico. Numa economia muito endividada e em contracção demográfica os sectores com maior potencial de crescimento são os sectores exportadores. Devem por isso ser tomadas medidas que favoreçam o crescimento destes sectores, quer ao nível das políticas públicas quer ao nível do seu financiamento.

As grandes multinacionais ganharam importância na economia e no comércio mundial. Um dos falhanços da economia portuguesa nas últimas décadas foi a sua incapacidade de se integrar nas grandes cadeias de valor global, sobretudo nas fases em que estas têm maior capacidade transformação, isto é, na fase de desenvolvimento dos produtos e da sua comercialização. É, assim, essencial fortalecer a interacção entre as empresas nacionais e entre as universidades e centros de investigação e as grandes multinacionais, à semelhança do que tem vindo a acontecer, por exemplo, em Braga com a Bosch Car Multimedia, que passou do paradigma de ‘made in Braga’ para ‘invented in Braga’ a partir de uma parceria muito virtuosa com a Universidade do Minho.

Em última análise, o crescimento económico depende sempre da qualidade das instituições. No entanto, a melhoria das instituições é um processo muito complexo, que exige muita reflexão e com efeitos que só são visíveis no médio e no longo prazo. E é aí que tem de estar o enfoque da acção do Estado.

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