A nossa garça-real
Estando parada, com uma perna em cima da outra, era como se fosse desenhada com tinta da china - e a tinta ainda a brilhar de tão fresca.
Voltávamos para casa e espiámos uma garça espantosa no chafariz de Almoçageme. Parámos o carro para nos fascinarmos com ela. Parecia uma anunciação de uma coisa grave. Era linda. Mas logo começámos a preocuparmo-nos. Estaria perdida? Estaria bem?
A garça também parou para nos observar. Não posso dizer que tenha gostado do que viu. Se calhar estávamos perto (e embasbacados) demais para o gosto dela.
Estávamos nós num pranto por não saber como ajudá-la e passou uma vizinha que fez logo o favor de nos esclarecer: "ela não está perdida. Ela veio aos peixinhos". E depois, já com o carro novamente a andar, disse "ela sabe o que está a fazer".
Era verdade e consolava: a garça sabia o que estava a fazer. Tanto mais que levantou voo e é impossível procurar outro adjectivo que não seja magnífico. Estando parada, com uma perna em cima da outra, era como se fosse desenhada com tinta da china - e a tinta ainda a brilhar de tão fresca.
Ao vê-la desaparecer na direcção da Ribeira de Colares é que eu percebi que a conheço há anos, que é aliás uma das minhas personagens favoritas: é a garça-real fotografada e descrita por Pedro Macieira no maravilhoso e indispensável blogue Rio das Maçãs. Quantas vezes eu a tinha já admirado, no pouso de sempre, a apanhar peixe ou de asas abertas, a divagar elegantemente sobre os plátanos da Várzea?
Ficámos comovidos com a nossa sorte: tínhamos conseguido um encontro com a garça mítica "que já nos habituámos a observar", nas palavras de Pedro Macieira.