Documentário em Espanha dedica-se ao naufrágio que levou cocaína a Rabo de Peixe

Em 2001, uma embarcação que transportaria meia tonelada de cocaína naufragou ao largo dos Açores. O acidente desencadeou uma caça à droga na vila de Rabo de Peixe. As marcas ainda se notam, 17 anos depois. Duas jornalistas espanholas dedicam-lhe um documentário.

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A vila piscatória de Rabo de Peixe localiza-se no Norte da ilha açoriana de São Miguel daniel rocha

A história de como a droga literalmente se espalhou na pequena vila piscatória com cerca de 7500 habitantes de Rabo de Peixe, no Norte da ilha açoriana de São Miguel, vai ser tema de um documentário em Espanha.

As jornalistas Rebeca Queimaliños e Macarena Lozano são as autoras, mas já desvendaram algo sobre a história que têm para contar. Publicaram uma reportagem no El País que também serve de aperitivo para o filme, que está ainda em fase de produção mas já tem trailer.

Tudo se centra no momento em que a referida embarcação naufragou transportando, calcula-se, mais de 500 quilos de cocaína de uma pureza que atingia os 80%.

A mercadoria afundou-se e mais tarde começaram a dar à costa, na pequena e pobre zona piscatória. A notícia correu depressa. Diz quem testemunhou que dezenas de pessoas acorreram ao mar numa autêntica “caça ao tesouro”, como descrevem no texto publicado naquele jornal espanhol. A polícia, mais tarde, afirmava que tinha recuperado 400 dos 500 quilos de cocaína perdida. No entanto, a julgar pela forma como o consumo da droga se generalizou na vila, muitos apontam que a quantidade de droga transportada pela embarcação naufragada era bem superior ao calculado.

Nos testemunhos incluídos no trailer divulgado pelo El País, conta-se que era possível comprar um copo cheio de cocaína por cinco mil escudos (quase 25 euros, no valor actual), um preço irrisório. O título do documentário remete para esse facto: #cincomilescudos.

Nuno Mendes, que acompanhou na altura o episódio do naufrágio para o PÚBLICO, fala ao jornal espanhol sobre a teoria de que a quantidade de droga transportada pelo barco era bem superior ao alegado: “A polícia sustentou que o iate transportava só 500 quilos, mas isso é um absurdo. O navio comportava até 3000 quilos de cocaína, e ninguém cruza o Atlântico cobrindo um percentual tão baixo do espaço disponível. Cem quilos de cocaína, mesmo com pureza excelente, não destroem uma geração”.

É neste aspecto que se centra a produção: “Como meia tonelada de cocaína extraviada destruiu um povoado português de 7000 habitantes”. É essa a ideia que puxaram para título da reportagem publicada pelo diário espanhol.

Nas três semanas que se seguiram ao incidente com a embarcação, foram contabilizadas 20 mortes e “dezenas de internamentos por intoxicações”, lembra ainda Nuno Mendes. A verdadeira dimensão das consequências nunca foi calculada de forma exacta. Passados 17 anos, a ferida continua aberta e há quem argumente que o problema com o consumo de heroína que se verifica actualmente nesta zona é consequência do episódio de 2001.

Na operação policial que se desencadeou depois do desembarque inesperado da enorme quantidade de cocaína, foi detido um cidadão italiano, Antoni Quinzi, depois de ter sido encontrada cocaína escondida no seu iate que coincidia com aquela perdida no mar.

Acabou por fugir do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada dez dias depois, bastando para isso saltar o muro da prisão e colocar-se na parte de trás de uma mota que o esperava à beira da estrada.

Acabou por ser capturado 15 dias depois em São Miguel. Foi transferido para Coimbra e foi condenado a quase dez anos de prisão. Provou-se que o seu objectivo era dirigir o barco da Venezuela até às Ilhas Baleares em Espanha. Foi o único detido em toda a operação.

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