"Desde os bancos do liceu, foi o mesmo"

"Desde os bancos do liceu, o Belmiro foi o mesmo: uma combinação única do valor do trabalho, do estudo, da vontade e da capacidade de arriscar. Construiu-se a si próprio e foi um construtor do futuro."

É com muita mágoa que vejo partir o Belmiro Azevedo.

Conhecemo-nos há muito tempo, precisamente nos primeiros dias de Outubro de 1949, quando nos sentámos nas carteiras da frente da turma D do primeiro ano do Liceu Alexandre Herculano, no Porto.

Continuámos no mesmo liceu até que a ida para a universidade me levou para Coimbra, enquanto o Belmiro ficou no Porto na Faculdade de Engenharia.

Hoje, quando revejo o filme da vida do Belmiro, tudo parece certo e coerente com os primeiros sinais.

Quem diria, que o Belmiro iria ser o maior e mais inovador empresário português da segunda metade do século XX, com direito a estar nas listas dos maiores da Forbes ou da Fortune, o participante activo em vários foros internacionais, de Davos ao World Business Council for Sustainable Development, o interventor impiedoso fazendo opinião com raro desassombro, o responsável pelo lançamento de um jornal diário de referência e o criador da fórmula sábia da simpatia que são os encontros de Setembro a que chamou “Espírito do Douro”?

Quem diria? Podia dizer.

Porque, desde os bancos do liceu, o Belmiro foi o mesmo: uma combinação única do valor do trabalho, do estudo, da vontade e da capacidade de arriscar. Construiu-se a si próprio e foi um construtor do futuro.

E, tal como jogava futebol nos intervalos das aulas, dava e deu bastantes caneladas.

Também as levou, sempre desportivamente. E marcou muitos golos. Muitos mais que os seus competidores.

Há quem deva muito do que é a circunstâncias exteriores. Não é o caso do Belmiro. Teoricamente, as circunstâncias eram-lhe adversas. Venceu-as várias vezes, superando o que teria sido a trajectória de vida mais provável para um filho de uma família numerosa e humilde, de um meio rural. Soube aproveitar os pequenos impulsos favoráveis, mas sempre se valeu mais de si próprio do que de benesses ou favores de terceiros.

“Nunca estive zangado com a vida”, escreveu Belmiro no posfácio do livro de Magalhães Pinto “Belmiro – História de uma vida”. Nas vitórias e nas derrotas, nos bons e maus momentos, optou sempre por lutar, avançar, arriscar e inovar. É um belo exemplo de atitude. Mais do que a riqueza que criou, acho que é este o exemplo que devemos reter do modo como o Belmiro encarou a vida.

E partilhar com ele o orgulho que deve ter sentido, muitas vezes, quando alcançou os seus objectivos. Como quando obrigou o Príncipe Filipe, nem sempre um caso de simpatia, a reconhecer que foi necessário um empresário português para criar postos de trabalho em Liverpool, como aconteceu em Julho de 2000, quando inaugurou a Sonae Knowsley, em Merseyside.

Deixa um grande grupo empresarial virado para o futuro. Soube educar e preparar os seus filhos para continuarem a sua obra tal como formou excelentes profissionais que com ele aprenderam o valor do rigor e da exigência.

Deixa igualmente uma fundação com o seu nome, que realiza já um assinalável trabalho na área da educação.

Costuma dizer-se que não há pessoas insubstituíveis. É verdade, mas algumas fazem muita falta. O Belmiro é uma delas.

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