Medicamentos que previnem VIH vão estar disponíveis para grupos de risco

Activistas sugerem que novos instrumentos sejam acompanhados por campanhas de sensibilização. DGS emitiu norma que define quem pode candidatar-se à Profilaxia de Pré-exposição da Infecção por VIH.

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Guilherme Marques

Pessoas que nos últimos seis meses tenham tido relações sexuais sem “uso consistente de preservativo” com alguém que não sabe se está ou não infectado por VIH, ou que utilizem drogas injectáveis com partilha de seringas poderão aceder a medicamentos que reduzem até 90% o risco de infecção por VIH. A Direcção-Geral da Saúde (DGS) emitiu nesta terça-feira uma norma que define os moldes desta nova frente de ataque à transmissão do vírus.

A chamada Profilaxia de Pré-exposição da Infecção por VIH (PrEP) destina-se a reduzir as hipóteses de alguém que não está infectado, mas que está sujeito a um alto risco de infecção, poder contrair o vírus em caso de exposição ao mesmo. A norma da DGS, dirigida a “médicos do sistema de saúde e pessoas colectivas sem fins lucrativos”, determina que deve ser referenciado para “consulta de especialidade hospitalar, a efectivar no prazo máximo de 30 dias” quem está nesta situação. São ainda consideradas “pessoas com risco acrescido”, entre outras, as que têm um parceiro infectado por VIH que não recebe acompanhamento médico e que não utiliza por regra o preservativo, as que “referem uso de substâncias psicoactivas durante as relações sexuais” e as que pratiquem relações sexuais para “obtenção de dinheiro”, também sem preservativo.

A DGS recorda que “a utilização da PrEP conduz a uma redução até 90% no risco de aquisição de infecção VIH, estimando-se uma poupança de 205.000 euros por cada infecção evitada”. Serão utilizados os antivirais emtricitabina e tenofovir, que impedem a replicação do VIH nas células humanas. A dispensa será feita nas farmácias dos hospitais.

Uma série de aspectos devem ser tidos em conta na avaliação dos candidatos. Desde logo, a presença de doenças que possam contraindicar o uso de PrEP. Sublinha-se ainda a importância das “medidas preventivas” — porque “qualquer estratégia de prevenção deverá fazer parte de uma abordagem combinada”. Por exemplo: “Aos candidatos à profilaxia deve ser realizada educação para a saúde em todas as avaliações clínicas/consultas” o que passa por alertar para a importância do uso do preservativo, seja porque este evita outras infecções, seja porque aumenta a protecção contra o VIH. Definido fica também que a prescrição “deve ser realizada por médicos que integram a rede de referenciação hospitalar para a infecção por VIH”. E que haverá avaliações periódicas de cada caso.

A notícia de que Portugal estava prestes a incluir nas estratégias de prevenção do contágio pelo VIH instrumentos como os testes de autodiagnóstico (que estão a ser analisados pelo Infarmed e devem ser disponibilizados dentro de pouco tempo) e a PrEP já tinha sido avançada nesta terça-feira pelo PÚBLICO, horas antes de a norma ser publicada no site da DGS. E foi aplaudida pelas associações que acompanham os doentes no terreno. Ainda que com alertas.

"Todas as medidas são bem-vindas"

“Todas as medidas que ajudem a evitar novos casos de contágio são bem-vindas”, afirmou a co-fundadora da Liga Portuguesa Contra a Sida, Maria Eugénia Saraiva, alertando, contudo, para alguns aspectos: “O autoteste é óptimo para as pessoas, mas é preciso perceber quem o vai fazer e como, ou seja, com que acompanhamento. Por seu lado, é importante que as pessoas, nomeadamente os grupos de risco, tenham presente que a profilaxia pré-exposição não substitui o preservativo.”

Ana Duarte, uma das coordenadoras da Associação Ser +, considerava, por seu lado, que “por mais que se batalhe pelo uso do preservativo, haverá sempre pessoas que não o usam”. E sublinhava a importância de o acesso à medicação se fazer “por intermédio de um profissional de saúde” com a “realização de rastreios frequentes”. Quanto aos autotestes, gostaria de ver Portugal seguir o exemplo dos países que adoptaram “soluções intermédias” em que as pessoas têm livre acesso ao teste mas em que os respectivos resultados são processados em laboratório. “Então teríamos a certeza que seria um profissional a dar a notícia à pessoa que pode eventualmente não ter estrutura para aguentar sozinha um diagnóstico positivo.”

O recurso à PrEP como medida de prevenção vem recomendado no relatório sobre VIH/sida que a Organização Mundial da Saúde divulgou nesta terça-feira. Em Maio, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, publicou um despacho em que elegia a PrEP como um instrumento capaz de ajudar à redução de novos casos.

Portugal com 1030 novos casos 

O relatório do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças e da Delegação Regional da OMS para a Europa, divulgado nesta terça-feira, reviu em alta o número de novos diagnósticos de VIH em Portugal em 2016. Subiram para os 1030, acima dos 841 reportados em Maio pelo Programa Nacional para a Infecção VIH, Sida e Tuberculose. A discrepância, diz Isabel Aldir, directora daquele programa, deve-se ao desfasamento na introdução dos dados no programa de vigilância epidemiológica.

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O relatório é claro sobre o panorama na Europa: a epidemia continua a fazer novas vítimas, sobretudo a Leste. A Rússia e a Ucrânia contribuíram com 73% para os 160.453 novos diagnósticos em 2016 — um número recorde. Um dos problemas é que 51% destes foram feitos numa fase avançada da doença. Em média, decorreram três anos entre o contágio e o diagnóstico. “É demasiado tempo”, lê-se. O diagnóstico tardio, além de diminuir a qualidade de vida dos portadores da doença, “aumenta o risco de transmissão”. O contágio entre homens que fazem sexo com homens é o mais comum nos países do UE e Espaço Económico Europeu. Já nos países de Leste prepondera o contágio entre heterossexuais e associado à injecção de drogas ilícitas.

Na Europa Ocidental, a taxa de novos diagnósticos de VIH fixa-se nos 5,9 novos casos por 100 mil habitantes. Portugal apresenta uma taxa de novas infecções de 10 por 100 mil habitantes.  

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