“A Internet tem de ser regulada para sobreviver”

Depois de criar dois navegadores da Internet, o programador islandês Jon von Tetzchner acha que a única forma de as grandes empresas pararem de seguir os internautas é proibi-las. E tem de ser o governo.

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Para Jon von Tetzchner, o problema é que todos os sites querem informação sobre os seus utilizadores Reuters/KACPER PEMPEL
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Reuters/PEDRO NUNES

Há anos que o programador islandês Jon von Tetzchner tenta arranjar a Internet. “Temos o direito de navegar nos sites que queremos sem sermos seguidos, e agora isso não acontece”, diz o criador da primeira versão do Opera, um navegador de Internet popular nos anos 1990 e início dos anos 2000, que participou na edição deste ano da Web Summit. “Quando visitamos um site, começamos a receber anúncios desse site, em todo o lado. Sentimos que estamos a ser monitorizados, e estamos.”

Veio à feira de tecnologia internacional para alertar os internautas para o problema. Depois de um passado atribulado como criador e presidente executivo do Opera – cujas acções vendeu em 2010, depois de divergências com outros investidores sobre o futuro do browser– acha que a solução não pode vir das empresas tecnológicas. Tem de vir de vir do governo, com regulação.

“As grandes empresas não querem ver a mudança. O lucro fala mais alto e fazem muito dinheiro dos nossos dados. É preciso que sejam os governos a escolher o que é mais importante”, diz von Tetzchner, numa entrevista ao PÚBLICO na manhã de quinta-feira. “Será a democracia que queremos ver a funcionar na Internet, ou os lucros de empresas como o Google e como o Facebook?”

Tenta dar o exemplo com o Vivaldi, o seu novo navegador de Internet, lançado em 2016, que pode ser completamente personalizado pelo utilizador e não acumula informação sobre a forma como é utilizado. “Nós não queremos saber o que as pessoas fazem. Já estão a ser seguidas demasiado”, diz von Tetzchner.

Porém, com menos de 1% de pessoas a utilizar o Vivaldi (o Chrome, é o rei dos browsers, de acordo com o analista Net Market Share, com mais de 54% de utilizadores em Abril de 2017), von Tetzchner diz que têm de ser os governos a proibir o rastreio de dados. Só assim se pode tornar uma norma universal. Queixa-se, por exemplo, da atitude “monopolística” do Google que pede aos seus utilizadores para “mudarem de browser” se acedem aos seus serviços a partir de outro navegador.

“A Internet não pode viver de bons exemplos. Tem de ser regulada para sobreviver”, frisa o islandês. O problema não são é a publicidade online só por si. “O mal está nos anúncios direccionados. As pessoas são divididas em grupos e a forma como os diferentes grupos reagem são analisados para criar a melhor resposta possível”, crítica von Tetzchner. Descreve a campanha de Donald Trump, que chegou a enviar 40 mil anúncios diferentes por dia, como uma “manipulação psicológica.”

Em vez de anúncios baseados no histórico de navegação das pessoas o criador do Vivaldi gostaria de ver leis para anúncios que só podem ser baseados na localização online das pessoas. Ou seja, se alguém vai a um site de desporto, vê publicidade sobre desporto, se vai a um site de moda, recebe informação sobre moda.

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Jon von Tetzchner quer dar o exemplo com o seu novo navegador, o Vivaldi Reuters/PEDRO NUNES

Quando questionado se não procura lucro como os seus competidores, von Tetzchner diz que “há coisas mais importantes” e que as suas acções falam por si. “Quando vendi a minha parte na Opera podia-me ter reformado e passado o resto dos meus dias na praia.  Tínhamos 100 milhões de utilizadores quando deixei de ser o presidente executivo. Em vez disso, estou a pagar a 40 pessoas do meu próprio bolso”, diz o antigo presidente executivo do navegador que actualmente pertence a uma empresa chinesa.

“O meu aviso para qualquer pequena empresa que esteja a começar é não estarem desesperados por arranjar dinheiro. É preciso encontrar investidores com os mesmos objectivos. Não é bom ter investidores que só querem vender”, avisa von Tetzchner. Agora, o lucro é uma missão secundária. “Para mim o acesso à informação e serviços que a Internet oferece são quase um direito humano."

“Para os governos, não é perguntar se as pessoas querem ser seguidas. É simplesmente não autorizar”, frisa von Tetzchner. “Não acho que a Internet esteja completamente estragada, mas vejo problemas e quero-os arranjados. Se isso não acontecer, as pessoas vão ficar preocupadas e com medo da Internet."

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