Um orçamento insuficiente para todos, mas que não envergonha o ministro da Cultura

Ministro e secretário de Estado estiveram na manhã desta terça-feira no Parlamento para apresentar o orçamento para o sector. Prometeram publicar em breve a regulamentação da Lei do Cinema e mais pessoal na DGPC. O “fetiche” do 1% do PIB para a Cultura marcou o debate.

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O secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, e o ministro da Cultura, Luís Castro Mendes esta manhã no Parlamento LUSA/ANDRÉ KOSTERS

A tutela está orgulhosamente insatisfeita com o orçamento para a Cultura para 2018, porque, se reclama um crescimento de 7,4% em relação a 2017, o ministro da Cultura, Luís Castro Mendes, admite: “Se é suficiente? Ainda não, e não estamos satisfeitos." "[Mas] não temos vergonha do orçamento que apresentamos.” O debate na especialidade desta terça-feira no Parlamento escrutinou a meta de 1% do PIB para o sector, que “não pode ser um fetiche”, diz o ministro, mas que “não é um unicórnio” e sim “uma necessidade” para PCP e Bloco de Esquerda — e o PSD clamou que “o ministro não tem força política” junto do Governo. Entretanto, os contratos-programa dos teatros nacionais e o novo decreto-lei do cinema entram em vigor em 2018 e haverá reforço de pessoal na Direcção-Geral do Património Cultural.

O debate no plenário, no âmbito da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, foi marcado pelo tema 1%, bandeira de organizações e sindicatos da Plataforma Cultura em Luta, um número exigido pelo PCP há vários anos. No início de cinco horas de debate, Luís Castro Mendes dizia ter “inquestionavelmente um orçamento reforçado”. E frisava: “Crescemos 22,4% do orçamento da Cultura relativamente ao Governo anterior.” A tutela prevê 118 milhões de euros de despesa da tutela vinda directamente de transferências do Orçamento do Estado para a Cultura e 190 milhões para a comunicação social em 2018 (e uma despesa consolidada de 480,5 milhões, que inclui também entidades com receitas próprias e o sector da comunicação social).

“[São] aumentos que não nos satisfazem, não satisfazem o senhor primeiro-ministro”, disse Castro Mendes, fazendo eco das palavras de António Costa no Parlamento na quinta-feira. “[Mas] estamos a fazer coisas. Dentro do possível”, reiterou mais à frente, “sempre numa trajectória sustentada de reforço do orçamento da Cultura.” Para a bancada do PSD, tal é sinónimo de “um orçamento de insatisfação”, segundo o deputado social-democrata Pedro Ramos, que se assumiu como eco da voz do meio – “é o sector que fala”, lembrou. Essa argumentação gerou uma troca de galhardetes bem-humorada entre bancadas. Para o ministro, o deputado do PSD “somou-se às vozes da esquerda que vêm pedir mais para a Cultura”. “Nós também queremos.” O deputado bloquista Jorge Campos deu mesmo as boas-vindas “ao clube” a Pedro Ramos. “O CDS também gostava de se juntar a este clube”, disse Vânia Dias da Silva, que iniciara a sua intervenção admitindo que o Governo anterior de coligação CDS-PSD “não teve de facto uma aposta forte na Cultura” devido às políticas de austeridade.

“O 1% corresponde a um desejo, a um anseio”, reconheceria depois o governante, interpelado sobre o tema pelo Bloco e PCP. “É uma meta, mas não pode constituir para nós um fetiche. Temos de manter sempre a tendência da trajectória do crescimento sustentado das dotações para a Cultura”, disse Castro Mendes. “Não é um fetiche, é sobretudo uma necessidade e já vem de trás”, lembrou o bloquista Luís Monteiro. “Não estamos a falar de um unicórnio”, lamentou Ana Mesquita, do PCP, “é uma questão muito séria”. Frisou que o orçamento, para o partido membro da coligação do Governo, “é claramente insuficiente”.

A deixa foi aproveitada pela oposição, que considerou que este “também é um orçamento fetiche”, porque o não atingir essa meta representou para o deputado Pedro Pimpão, do PSD, um “baixar os braços” de um “ministro que não tem força política junto do próprio Governo”. Luís Castro Mendes, ao rebater as críticas vindas das bancadas da direita, disse que o actual Governo tem de “reparar os estragos” deixados pela política cultural da anterior legislatura. Helga Correia, também do PSD, criticou a “inacção sempre justificada com o anterior Governo”. Teresa Caeiro, do CDS, manteve que “este orçamento é uma desilusão”.

Numa sessão de discussão em torno de números, possibilidade e exequibilidade, a tutela focou o novo modelo de apoio às artes, “orgânico e flexível”, que se “abre a novas áreas artísticas” e que, destacou, teve “um aumento de 24% em relação a 2017, perfazendo “17,6 milhões de euros de orçamento total” que “permitirão o novo modelo”, disse Castro Mendes citando os números mais recentes fornecidos pela tutela. O secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, acrescentou mais tarde que existem ainda 1,7 milhões de euros de remanescente “de mérito” que permitirão distinguir novas candidaturas.

Mais à frente no debate, a deputada comunista Ana Mesquita sublinhou ainda assim que esses valores estão “muito longe do que foram os valores de 2009, tendo em conta todo o tecido que foi afectado pela política desastrosa do anterior Governo”, referindo um valor-meta de 25 milhões de euros. “Estão ao nível de 2011”, ripostou o ministro, dizendo uma vez mais que há um aumento progressivo e que “é a verba possível” – uma quantia que “não é uma ficção” e que é testemunho, diz, da “grande admiração pela resiliência” dos agentes culturais nos últimos anos.

Num dos sectores em que o Governo defende ter reforçado mais a sua distribuição de verbas, o património, com um crescimento anunciado de 25%, há a intenção de ter “uma renovada política museológica” que permita modelos de gestão com “mais autonomia” e com a “criação de pólos de museus nacionais em diferentes pontos do país”, exemplificou. Mais perto do final do debate, o ministro disse que a sua intenção, revelada em Junho, de uma reforma do modelo de gestão da rede museológica e monumentos terá a forma de um instituto público, mas que tal obriga a uma reforma profunda ao nível administrativo.

Na Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), e em resposta ao Bloco, Castro Mendes lembrou que está em curso o recrutamento para 14 lugares e revelou que será aberto “em breve” novo processo para outras 30 vagas, estando hoje ocupados 851 lugares dos 926 possíveis. A DGPC é um organismo que gere desde museus e monumentos ao património arqueológico, com receitas próprias e que recebe também transferências directas do Estado – no total, 40,7 milhões em 2018, mais 3,2 milhões do que em 2017; deles, 18,4 milhões são oriundos de transferências do Estado. Ana Mesquita, do PCP, lembrou que o aumento do orçamento da DGPC “é sobretudo na receita própria, ou seja, bilheteira”, o que, nota, “não se traduz num investimento tão grande” da parte do Governo central.

Teatros nacionais e cinema em 2018

O secretário de Estado da Cultura voltou à polémica e prolongada discussão em torno das alterações ao decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema, garantindo que “neste momento o decreto-lei está em revisão final” e que a sua publicação está para “muito breve”. Honrado prevê que os concursos de apoio à produção, distribuição e exibição de 2018 “já decorram sob a vigência deste decreto-lei”. Esta não é a primeira vez que Honrado e o Governo antecipam a realização dos concursos sob a alçada desta revisão legal, que não se chegou a concretizar em 2017, e cuja problemática se tem centrado sobretudo em torno do seu Artigo 14.º, que diz respeito ao processo de selecção dos júris dos concursos geridos pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual.

O secretário de Estado da Cultura, que entre outras áreas tem a seu cargo as pastas do cinema, das artes ou os teatros nacionais, indicou ainda que a tutela quer fazer o sector “participar mais”, reactivando “de forma mais veemente um plano estratégico” que deseja “que seja discutido com o sector” e lembrou que, após a apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2018 foi revelada a tranche de 6,3 milhões para receita prevista do ICA que faz com que para o próximo ano haja “um aumento de 1,3 milhões” em relação a 2017. No fim destas contas, o ICA contará com 22,2 milhões para operar em 2018.

No que diz respeito aos contratos-programa dos teatros nacionais, um instrumento que permitirá agilizar a gestão nestas instituições, o secretário de Estado respondeu aos deputados que a “situação está completamente delineada e definida com os teatros” e que estes devem “entrar em vigor a partir do início de 2018”. Honrado considerou ainda, respondendo a Pedro Pimpão e enumerando várias das medidas anunciadas pela tutela e pondo em relevo o aumento de 8,1 milhões de receitas gerais para o sector, que tal “não é baixar os braços”.

 

Notícia actualizada: acrescenta informação sobre intenção de criação de instituto de gestão de museus

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