Economia Global em Divergência

O centro de gravidade do poder mundial, que há décadas se encontrava no Atlântico Norte, desloca-se para a Ásia e para o Pacífico.

Naturalmente, é importante que qualquer país dedique atenção a questões de curto prazo, como um orçamento de Estado anual. Também é compreensível que se olhem questiúnculas como as imaturas tricas entre políticos e as deslumbradas e desproporcionadas coberturas mediáticas que elas suscitam no nosso país. Mas enquanto um país como Portugal se esgota excessivamente em questões microscópicas, de que ninguém se lembrará passada uma semana, e em problemas de curto prazo, perde a visão estratégica das grandes realidades e tendências transformadoras que nos envolve e que nos surpreenderão no futuro. Quem vive com uma lupa a olhar os pormenores da casca de cada árvore perde completamente a noção da floresta. A miopia estratégica é um perigo crítico. Cometer esse erro num mundo que muda profundamente a uma velocidade vertiginosa, é uma receita para o desastre a prazo, em Portugal tal como, num outro nível, na União Europeia.

Portugal vê com justificada satisfação o crescimento económico registado em 2017. Contudo, não compreende que, apesar do aumento de atividade económica induzida pelo aumento de rendimento disponível dos cidadãos, existe também uma influência positiva (transitória) do maior crescimento económico da UE e, desde 2015, da Espanha, mercados predominantes nas nossas exportações. No entanto, o modesto crescimento da UE, de 2,1% em 2017, irá decrescer novamente em 2018 e nos anos seguintes. O da Espanha sofrerá um trambolhão já em 2018. Infelizmente, o crescimento económico de Portugal dentro de 5 anos poderá ser menos de metade do deste ano. A inconsciência dos políticos e dos media em Portugal é assustadora. A simbiótica cumplicidade entre jornalistas e políticos também não favorece a racionalidade ou a lucidez nacionais. Ambos se alimentam avidamente, por exemplo, de imagens de abraços ostensivamente comovidos perante câmaras de televisão, comentários banais ao comer um pastel de nata perante as mesmas câmaras ou um político a cavalgar demagogicamente um sentimento popular num momento emotivo (o que, na verdade, tem um nome – Populismo).

É cada vez mais difícil pensar, em Portugal, com lucidez, sensatez, audácia objetiva e inteligência estratégica. Bruxelas não é muito diferente, embora aí os dogmas sejam outros, mais refinados e ainda mais opacos.

Entretanto, o Mundo não se prende com os nossos tiques e muda impressionantemente. Como uma sombra gigantesca que a UE e os nossos políticos têm dificuldade em entender verdadeiramente, os países em desenvolvimento erguem-se numa tendência imparável que os transformará na grande nova força económica e política do séc. XXI. Enquanto olhamos sobranceiramente essas nações como inferiores, elas já representam mais de metade da economia global. E continuam a crescer a ritmos que para nós são alucinantes. Os Estados Unidos têm conseguido manter razoavelmente a sua quota da economia mundial, mas é a União Europeia que desastradamente definha, apesar dos vitoriosos discursos europeus desligados da realidade. A implosão relativa da economia da UE no mundo corresponde, essencialmente, ao que as nações emergentes e em desenvolvimento estão a conquistar, em particular a Ásia.

Quantifiquemos aspetos desta progressiva divergência entre as economias do mundo. Em média, as economias dos países desenvolvidos crescerão este ano 2,2% e dentro de 5 anos deverão crescer apenas 1,7%. A Zona Euro crescerá agora 2,1% e apenas 1,5% daqui a 5 anos (ano em que Portugal, coitado, poderá crescer somente 1,2%). Mas dentro de 5 anos a economia das economias em desenvolvimento continuará a aumentar e deverá rondar o impressionante valor de 5%. Nesse ano (2022), a China e a Índia terão um crescimento conjunto médio de 7%, quase 5 vezes o ritmo de crescimento da União Europeia e quase 6 vezes o de Portugal. Se considerarmos que a China e a Índia possuem uma população 5 vezes superior à de todos os 28 países da UE juntos, o respetivo crescimento económico astronómico, ao longo de décadas, muda o mundo. Muda a correlação do poder económico, financeiro e político.

O centro de gravidade do poder mundial, que há décadas se encontrava no Atlântico Norte, desloca-se para a Ásia e para o Pacífico. A União Europeia, que se enaltece a ela própria em cada minuto, vive em negação das realidades. Porque tem, em dogmas que não se podem discutir, aquilo que lhe falta em visão estratégica objetiva e em serena humildade.

Os europeus também não têm sido sensatos na forma, repleta de preconceitos que a realidade infirma, como temem a integração de mercados. Contrariamente a Obama, Donald Trump partilha os mesmos receios dos europeus. Americanos e europeus pagarão esta visão protecionista com uma maior perda de dimensão e de competitividade no mercado que é irreversível e crescentemente global. De resto, esta é a razão fundamental que transforma Trump na maior ameaça à presente economia global e à própria economia norte-americana. Nos Estados Unidos, muitos tentam que Trump compreenda que, obviamente, esse país seria perdedor numa guerra comercial com a China.

Portugal, assim como a União Europeia, não perde apenas a perceção quantitativa de como o mundo económico está a mudar. Perde igualmente a noção das transformações avassaladoras que desfiguram o mundo como ainda recentemente o entendíamos, que criam um outro mundo cuja existência a quase totalidade dos portugueses ignora completamente.

Nestes dias, Portugal e os media vibram com a realização da Web Summit em Lisboa. Este evento é excelente, muito importante. É logicamente muito positivo que ocorra em Portugal. Mas não nos iludamos. Trata-se de algo que, sendo interessantíssimo, é uma pequena gota de água no trabalho e nos contactos que em cada dia, todos os dias, a uma escala astronomicamente superior, ocorrem no mundo. Tenho contacto diário com esse mesmo “ecossistema” um pouco por todo o mundo e temo que o deslumbramento excessivo com um evento positivo nos distorça o sentido global das realidades e, por essa via, nos torne menos eficientes na competição global. Terão os portugueses uma ideia do que são os geniais e abundantes contactos, as negociações e as ideias que emergem todos os dias na Baía de São Francisco, em Shenzhen, em Israel, na Noruega, em Berlim, em Sydney, em Delhi, e em imensos países que explodem em criatividade mas que a maioria dos europeus (ainda) nem sabe localizar num mapa?

Devemos sempre apreciar qualquer passo meritório. Mas seria perigoso que esse justificado entusiasmo nos levasse a perder a noção da realidade global.

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