Não é rumor, é Rumori

Um clube fundado por estrangeiros a residir em Talin, capital da Estónia, já teve jogadores de 35 nacionalidades diferentes

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Jogadores da equipa do Rumori Calcio após um jogo Gert Nõgu

Há poucas coisas certas no futebol, mas uma delas serão garantidamente os rumores. Têm quase tanto protagonismo quanto os golos marcados ou sofridos, e já não se reduzem apenas às alturas das transferências, mas duram a época toda. Na Estónia há um clube que nasceu dos rumores, abraçou-os e fez deles o seu nome – o Rumori Calcio foi fundado por italianos, é constituído por estrangeiros a residir no país, e reúne jogadores de diferentes nacionalidades.

Tudo começou em 2015, quando o clube foi oficialmente fundado. Há alguns meses que um grupo vinha a reunir-se para disputar torneios informais, mas em 17 de Março de 2015 decidiu registar-se na federação para participar nas competições organizadas. “O plano inicial era disputarmos as provas amadoras nos primeiros dois anos. Mas, passada uma época, decidimos avançar para o futebol de 11 e assumir-nos como semiprofissionais”, contou ao PÚBLICO o treinador e fundador do Rumori Calcio, Angelo Palmeri.

Este italiano de 42 anos foi o grande impulsionador do clube. Jornalista freelancer, mantinha um site sobre futebol estónio chamado “Rumores de balneário” que captava leitores dentro e fora do país. Um dia, um patrocinador ofereceu-lhe um lote de equipamentos e Angelo Palmeri combinou com amigos participarem num torneio. A estreia não foi memorável (foram goleados 1-10 no primeiro jogo) mas estava lançada a ideia que iria levar à formação do clube.

Passaram alguns meses até à filiação e à entrada nas competições organizadas e a estreia, em Junho de 2015, aconteceu num jogo da Taça. “Perdemos apenas por 2-3. A equipa tinha jogadores que já vinham do grupo anterior e alguns ‘reforços’”, explicou Angelo Palmeri: “Dois africanos refugiados na Estónia e um inglês, o Richard Barnwell, que tinha jogado profissionalmente na Estónia e Islândia”. “O Samuele De Pizzol, italiano e também fundador, foi a um centro de refugiados encontrar-se com um tipo de quem tínhamos ouvido falar bem. Cada um dos nossos jogadores é também ‘olheiro’ e, se conhecerem alguém com potencial, informam-nos. Esta rede tem sido muito eficiente e deu-nos muitos jogadores importantes nestes três anos. O tal jogador foi ‘contratado’ e o Samuele descobriu outro que também entrou na equipa. Era da Costa do Marfim e depois veio a jogar na primeira divisão estónia”, contou.

Promovido em 2016 ao quinto escalão do futebol estónio, o Rumori acabou de concluir a estreia com um sexto lugar entre 12 equipas, com os mesmos pontos do quinto classificado. “Demorámos a adaptar-nos e houve várias lesões que complicaram os planos. Mas conseguimos encadear uma série de vitórias que nos permitiu afastar da zona de despromoção. Foi uma grande experiência”, sublinhou o treinador. O alemão Christoph Puschmann, que chegou a defrontar Mesut Özil nos escalões de formação, foi o melhor marcador da equipa com 17 golos.

A política de recrutamento do clube faz com que a diversidade seja elevada no plantel. “Já tivemos jogadores de 35 nacionalidades a disputar pelo menos uma partida pelo Rumori. Se contássemos com aqueles que só treinaram, chegaríamos facilmente às 40 nacionalidades”, contou Angelo Palmeri. “Inicialmente éramos mais abertos, mas agora tentamos fazer uma selecção. Não nos interessa gente que simplesmente quer dar uns pontapés na bola, tentamos perceber se há um passado no futebol competitivo e se isso interessa à pessoa em questão”, explicou o técnico, realçando que o Rumori tem, para além da equipa principal, uma formação secundária mais dirigida aos praticantes de futebol recreativo.

O maior brilharete da curta história do Rumori é ter chegado aos oitavos-de-final da Taça da Estónia em 2016. A equipa de Angelo Palmeri caiu perante o Tammeka, do principal escalão, por 1-5 – mas viu o golo marcado por Roman Narnitski ter mais de dez mil visualizações e ser eleito o mais bonito do ano.

Chegar ao primeiro escalão “é claramente um plano a longo prazo”, assumiu Angelo Palmeri. “Mas precisamos de parceiros dispostos a investir num país jovem em termos futebolísticos mas com imensa margem de desenvolvimento. O mais importante são as infra-estruturas: construir um centro desportivo com relvado interior (por causa do clima) é essencial”, acrescentou. Para já, o principal patrocinador do clube é um restaurante italiano onde o guarda-redes da equipa é chef. Porque qualquer centro desportivo também precisa de uma cantina.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos. Ouça também o podcast

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