“Se não resolvermos, falhamos todos”, insiste Marcelo sobre os incêndios

No balanço da visita aos Açores, Marcelo afirmou-se “chocado”, tal como o país, com as fragilidades estruturais do país e sugere mesmo uma concertação estratégica nesta matéria.

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Marcelo agradeceu convite de Vasco Cordeiro para participar, de forma informal, no Conselho Regional de Concertação Estratégica MIGUEL A. LOPES/LUSA

O Presidente da República afirmou neste sábado que ficou “chocado”, tal como o país ficou “chocado consigo próprio”, com os trágicos incêndios deste ano, separados por quatro meses, e foi por isso que colocou o tema como prioridade  nacional e uma “exigência” para o seu próprio mandato, para que situações destas não se repitam. “Se não resolvermos, falhamos todos”.

“Eu fiquei chocado, o país ficou chocado consigo próprio, porque descobriu que havia aspectos estruturais que não tinha acautelado no tempo”, afirmou, defendendo que “as tragédias impõem deveres instantes e para todos” e é por isso que vai manter a pressão sobre o Governo sobre este assunto. Porque “menos de dois anos é pouco para recuperar de décadas de distracção ou de atraso para corrigir o que é preciso corrigir”.

Marcelo Rebelo de Sousa fazia, com o presidente do governo regional dos Açores, Vasco Cordeiro, o balanço desta segunda parte da visita ao arquipélago e respondia à questão sobre se lamentava que a realidade nacional se tivesse sobreposto às questões regionais. Não concordou, mas não diminuiu a importância da polémica presente nesta visita, marcada pela notícia do PÚBLICO de que o Governo tinha ficado “chocado” com a declaração do Presidente ao país, que estaria informado pelo executivo das medidas em preparação, incluindo a demissão da ministra da Administração Interna.

“Andamos a discutir um pormenor, pessoal ou circunstancial. Se continuamos a discutir os pormenores, não chegamos lá”, afirmou, sem confirmar ou infirmar que o Governo o mantivera a par de tudo. E como teme que, apesar de se considerar “um bom professor”, haja ainda alguém que não tenha percebido a sua ideia, insistiu: “O Presidente assumiu, e vai assumir até ao fim do mandato, um dever de exigência constante, para que não ocorra novamente uma tragédia como esta. Reduzir esta tragédia a uma realidade circunstancial é empobrecê-la”.

Marcelo quer que ninguém perca o foco no que “é fundamental” e não se fixe em qualquer “questão menor, de ser uma exigência a A, a B ou a C por razões conjunturais”. Resolver os problemas estruturais é, defende, “uma exigência nacional”, “não é uma teimosia”. “Se não resolvermos, falhamos todos”. E por isso considera “uma perda de tempo” que, em vez de se discutir “o que é necessário”, se esteja “a discutir realidades – independentemente do ser carácter ficcional ou não ficcional -, que são totalmente irrelevantes”.

Pelo caminho, voltou a lembrar que o seu mandato vai para além do mandato do Governo, que o Presidente da República é o “órgão supremo” das instâncias políticas nacionais e que foi “eleito directamente pelo povo”, perante o qual responde, o que lhe atribui uma legitimidade especial. E acabou a sugerir que se encontrem fórmulas informais de concertação para objectivos comuns em que o chefe de Estado possa participar.

Foi quando acrescentou, ainda no mesmo contexto de resposta, que a visita aos Açores foi “uma lição”, sobretudo por ter terminado com a sua participação numa reunião do Conselho Regional de Concertação Estratégica, o que aconteceu pela primeira vez. “Fiquei muito grato ao presidente da Região Autónoma dos Açores pelo convite e aprendi muito”, disse, acrescentando ter sido “uma lição” por ter mostrado que “é possível, respeitando os poderes constitucionais, de um modo informal, encontrar várias formas de colaboração, de parceria, de audição, de informação e de apoio a causas com objectivos comuns que são muito importantes”.

Mas quando questionado sobre em que sede esse exemplo poderia ser extrapolado para o contexto nacional, foi contido e regressou aos Açores: “Da mesma forma que houve este convite, eu estarei atento para ver se há da parte de órgãos da República a preocupação de ouvir o governo regional, para que eles não se sintam, de quando em vez, um pouco esquecidos”.

Os incêndios marcaram o último dia da visita, mesmo na rua. De manhã, no mercado da Graça, em Ponta Delgada, um "corisco" (natural da ilha) interpelou-o : "O senhor não se canse de ir lá ter com aquela gente, os nossos amigos que têm sofrido com os fogos". "Não, estou lá sempre, sempre”, garantiu o chefe de Estado, expondo os seus planos. "Eu agora vou lá daqui a uns dias outra vez, e depois volto lá no final de Novembro. Depois vou passar o Natal, quer em Pedrógão, quer na zona agora ardida - aí provavelmente o fim do ano. Portanto, eu não largo”. E repetiu o que foi dizendo aos jornalistas por estes dias: “O Governo tem menos de dois anos para resolver o problema", “o Governo e este Parlamento já só duram um ano e dez meses, têm de o resolver”.  

No meio da multidão, entre abraços, beijos e selfies, houve quem lhe gabasse a paciência. “Até que enfim alguém me compreende, sou muito paciente, muito paciente”, responde Marcelo, repetindo três vezes. Talvez para lembrar que a paciência é macia, não é de aço, como os nervos do primeiro-ministro. “Paciência e boa vontade”, insiste a senhora, para gáudio do chefe de Estado.

Marcelo, cujo pequeno-almoço foram duas bananas – disse-o a um vendedor de fruta que lhe oferecia, foi petiscando pelas bancas do mercado. Provou queijos da ilha, amanteigados e curados, comeu uma goiaba, um pedaço de ananás com casca e tudo, uma fatia de bolo de chocolate caseiro feito pela mãe de uma escuteira a quem comprou mais duas fatias e duas queijadas.

Beijos e queijos que lhe deram sede e o levaram a mais uma paragem no café Clipper, onde bebeu dois dedos de Lagido, aperitivo típico do Pico, ilha que visitaram em Junho, na primeira parte do périplo pelos Açores. “Não há duas sem três”, disse o Presidente ao dono do café por onde já tinha passado. “O senhor promete e cumpre, prometeu voltar e voltou”, responde o comerciante.

Ainda no mercado o desafiaram e assim foi: passou pelo hotel, vestiu os calções azuis com que atravessou a avenida apenas com os seguranças e juntou-se ao pequeno grupo de ‘coriscos’ que mergulham todos os dias, ao meio-dia. Ali, nas águas calmas das chamadas "Piscinas do Pesqueiro", nadou cerca de cinco minutos. O suficiente para retemperar energia para a parte mais institucional do último dia desta visita: a reunião do Conselho Regional de Concertação Estratégica e a visita à Lagoa das Sete Cidades com as entidades locais, para fazer, por entre o nevoeiro, o balanço desta passagem pelo arquipélago. 

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