Imprevisibilidade global

Muitos europeus vivem em negação das realidades e de um mundo em perpétua transformação.

Angustia a forma como os portugueses, os seus políticos e a maioria dos seus comentadores se perdem nas quotidianas intrigas e nas questões menores sobre quem disse o quê e quem ganhou ou perdeu. Acumula-se o temor pelo país que estamos (já hoje) a deixar aos nossos filhos e aos nossos netos. A superficialidade e o desconhecimento com que, dia a dia, se fragiliza o nosso futuro, contrasta com múltiplas tendências vibrantes com que o resto do mundo (pelo menos, para além da Zona Euro) se reinventa e se ergue em inovadoras novas realidades que, ao virar da esquina, ultrapassarão o nosso país deslumbrado com microscópicos imediatismos.

O mundo não se transforma apenas quantitativamente. Muda estruturalmente, transforma-se qualitativamente. Os portugueses imaginam-se num mundo a que se habituaram, mas não reparam que ele, na verdade, já nem existe nessa imagem em que se cristalizaram. Os próximos anos e as próximas duas décadas deixarão tal contexto largamente irreconhecível. Esta disfunção estratégica é perigosa. Mas o país anestesiado não se preocupa.

Muitas dessas novas dinâmicas induzem imensas transformações que se intersectam e que se potenciam mutuamente. Trata-se de uma progressão matemática que decorre de um conjunto de variáveis cujo comportamento individual se altera aceleradamente e que, em conjunto, induzem resultados globais que redesenham o contexto mundial. A resultante imprevisibilidade global exige um outro tipo de visão estratégica que não é a que predomina em Portugal ou na União Europeia da atualidade.

Mesmo no curto prazo presenciaremos mudanças que poderão surpreender muito mais do que antevemos. Por exemplo, apesar de diversos séculos de pretensões secessionistas de muitos catalães, e de anos de tensão, com uma fulminante rapidez a questão da Catalunha transformou-se numa explosiva fissura não apenas na estrutura da Espanha mas também na forma de interpretar o futuro da democracia na própria Europa. Não, não é verdade que a geografia política dos países europeus, tal como hoje a conhecemos, seja a definitiva nem mesmo a de dentro de duas-três décadas. Mas muitos europeus vivem em negação das realidades e de um mundo em perpétua transformação. A Catalunha nunca voltará à situação de há apenas um ano e o quadro mental e anímico de uma comunidade não se molda por decreto nem se anula com ameaças de prisão dos seus líderes.

A França sente-se apreensiva com o exemplo catalão na Córsega, a Alemanha teme o futuro da Bavária e a Itália retoma os seus momentos de tensão pelas ideias de secessão do norte do país. Correrem a ajudar Espanha para que esta “prenda” no seu seio a nação catalã é compreensível no plano dos interesses (centrais) daqueles países, mas uma via duvidosa para evitar graves desfechos futuros.

As consequências económicas do “Brexit” a médio prazo, serão menos dramáticas do que agora se teme, para ambos os lados. Mas a simbologia será imensa. Muitos dos que, à revelia dos cidadãos europeus, estão a tentar dissimuladamente construir um Estado único europeu sentem-se aterrados com qualquer grau de relativo êxito britânico pós-UE. Para esses, destruir as identidades das nações é essencial. O resultado será, a prazo, potencialmente explosivo para a Europa, tal como sucedeu no passado quando outros tentaram impor aos europeus uma visão única e indiscutível da região e do seu futuro.

Porque já aqui o fiz anteriormente, prescindo de agora aprofundar as verdadeiras intenções da estratégia nuclear da Coreia do Norte. Esse país não possui verdadeiramente qualquer intenção de atacar nuclearmente outro país, mas tornou-se necessário à sua sobrevivência interna e externa o contínuo progresso da sua capacidade nuclear militar (quer as bombas quer os necessários mísseis, em especial ICBM’s). Contudo, a irracional e irresponsável volatilidade do Presidente norte-americano, cuja eleição parecia impensável há apenas um ano, não só empurra ainda mais os norte-coreanos para níveis de conflitualidade que se pode descontrolar em escassas horas, como também alterou radicalmente múltiplos fatores de relativa estabilidade no mundo.

A Coreia do Norte poderá estar a escassos meses de deter mísseis capazes de atingir nuclearmente o território continental dos Estados Unidos, e neste momento não é possível avaliar com rigor se já poderá fazê-lo utilizando sistemas com ogivas múltiplas para atingir diversos alvos simultâneos. Indiretamente, germinam já possibilidades de proliferação nuclear em diversos países da Ásia e, subsequentemente, em alguns do Médio Oriente. É impressionante a rapidez com que Trump conseguiu semear tantas acrescidas instabilidades no mundo, com o seu estilo e a sua impreparação.

Os países em desenvolvimento emergem maioritariamente com ritmos sustentados de crescimento económico que já os elevaram ao controlo conjunto de mais de metade da economia do planeta. Dentro de duas décadas terão tornado quase irreconhecíveis muitos aspetos da economia e da correlação dos poderes globais. Entretanto a União Europeia ter-se-á perdido, como agora, numa visão algo provinciana e narcisista de um mundo que muitos não percebem já ter passado.

A China ascende ao nível de superpotência que gradualmente suplantará mesmo os Estados Unidos. Será o motor das grandes transformações globais das próximas décadas e já dos próximos anos.

Entretanto, neste novo mundo repleto de imprevisibilidades radicalmente transformadoras, Portugal desvanece-se diariamente com os últimos episódios da telenovela pequenina em que as questiúnculas e os mexericos nacionais se transformaram. O resultado não será brilhante, nem para esta geração nem para as que se seguirão. Mas o país adora.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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