Protestos saíram à rua pelas vítimas e a floresta. “Isto é o país a acordar”

A manifestação de “Portugal contra os incêndios” reuniu cerca de mil pessoas em Lisboa que gritavam “justiça” pelas vítimas e novas políticas florestais. Aconteceu o mesmo um pouco por todo o país.

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António Pinheiro enfrentou uma “coluna de fogo” na EN17, a estrada da Beira. Tinha o carro cheio e entrou em pânico. “Com a vida deles e a minha no volante.” Continuou em frente, “uns bons minutos”, sem ver a estrada. Não havia rede, nem socorro, só fumo. “Ali, todos nós vivemos Pedrógão.”

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António Pinheiro enfrentou uma “coluna de fogo” na EN17, a estrada da Beira. Tinha o carro cheio e entrou em pânico. “Com a vida deles e a minha no volante.” Continuou em frente, “uns bons minutos”, sem ver a estrada. Não havia rede, nem socorro, só fumo. “Ali, todos nós vivemos Pedrógão.”

Era domingo de tarde e o fogo lavrava em Oliveira do Hospital desde manhã. A frente que ardia “lá longe” chegara às portas daquele carro em poucos minutos. Quando voltaram para Vide, de onde é natural a mulher de António, Sónia Dias, já o fogo cercava a aldeia. E viram-se sozinhos: “112 era um mito”, “o incêndio nem constava no mapa da Protecção Civil”. Ajuda? “Veio um carro no dia seguinte. Foi-se embora para abastecer com água e não voltou.”

As seis pessoas que estavam naquele carro na estrada da Beira foram este sábado ao Terreiro do Paço “estampar” em cartazes o nome de Vide e das aldeias afectadas na região “para que o país abra os olhos”. A manifestação “Portugal contra os incêndios” reuniu cerca de mil pessoas em Lisboa, segundo números da Agência Lusa, que exigiam “justiça” pelas vítimas e novas políticas florestais. “Isto é o país a acordar. O nosso país também é o interior. Se os velhos morrem e os filhos têm medo de ir para lá morrer no fogo, quem vive cá?”, questiona António Pinheiro.

Das muitas perguntas, a que mais repete é “quem tomou quanto do país” no fim-de-semana em que morreram 44 pessoas. De António e da família “tomou conta o vento quando decidiu parar e a chuva quando veio”. Os mesmos que também salvaram a casa de Maria João Melo em Linhares da Beira, diz a própria. “Se não fosse chover às 3h da manhã”, “ainda lá estariam” os quatro “heróis” que Maria João foi ao Terreiro do Paço homenagear: os quatro “homens da terra” que andaram dois dias a deitar terra às chamas. “Os loucos.”

O actor Rui Maria Pêgo, de quem partiu a iniciativa de organizar o protesto em Lisboa, escreveu: “[Este era] o momento de tomarmos conta um dos outros.” Foi o que Maria Mendes, que fala da floresta com lágrimas nos olhos, quis fazer: “Estou aqui pelo meu povo e pelos meus filhos que já não vão ter o país verde que eu tive.” Nesta manifestação, muitos recordam imagens parecidas com as de António e os cinco familiares, as de Maria João e as de Maria Mendes: “O fogo cerca-nos nas estradas, nas casas. Está a matar-nos. Se os nossos morrem, temos de acabar com este turbilhão de promiscuidade nas nossas florestas.”

Fez-se um minuto de silêncio. Cantou-se várias vezes o hino. E, ao olhar o mar de gente, tantas bandeiras, tantos cartazes. Uns pediam o “fim do lobby dos madeireiros”, outros que se salvasse a floresta em vez dos bancos. Havia quem quisesse a “pena máxima para os terroristas”, “o fim do cartel do fogo” e uma engenheira florestal pedia que a deixassem trabalhar.

A manifestação, apartidária, não deixou de ficar marcada pelo apuramento de responsabilidades políticas. O protesto que se queria silencioso começou com um episódio de confronto entre grupos de manifestantes: de um lado um grupo de jovens com uma faixa onde se lia “Governos PS, PSD e CDS: Culpados”, do outro lado manifestantes que descartavam responsabilidades políticas do PSD e CDS e outros que pediam que não se “politizasse” a manifestação.

No meio da confusão, Pedro Fortunato, um dos jovens que segurava a faixa, garante que foi agredido quando “tentava tirar um colega que estava a levar socos” por um “grupo de extrema-direita”. Os jovens fazem parte do Movimento Alternativa Socialista (MAS), mas afirmam que não vieram ao protesto por causa dessa filiação, senão para “exigir responsabilidades aos governos dos últimos 40 anos”.

As demonstrações de solidariedade para com as vítimas e de crítica às políticas florestais aconteceram um pouco por todo o país. Mais de um milhar de pessoas esteve na Avenida dos Aliados, no Porto, para dizer: “Basta!” Foram duas centenas em Coimbra, um milhar em Braga, “largas dezenas” em Pedrógão Grande, mais de uma centena em Castelo Branco, cerca de 250 pessoas na Guarda, “alguns milhares” junto ao Pinhal de Leiria, 1500 em Viseu, 330 pessoas em Aveiro e, inclusive, várias várias dezenas de pessoas que se reuniram em Copenhaga, na Dinamarca. Com Lusa