“A reforma do Estado deve começar pela reforma do Governo”

Especialista em planeamento, Fernando Teigão dos Santos passou pelo Governo e o que viu deixou-o arrepiado. No livro Governar Melhor, propõe mudanças políticas e de funcionamento dos executivos, como a construção de um "campus do Governo" e de ministros coordenadores para áreas específicas.

Foto
Sobre a planta de Lisboa, o autor mostra a dispersão dos edifícios do Governo com peças de xadrez Ricardo Lopes

Especialista em Planeamento, Prospectiva e Desenvolvimento Sustentável, Fernando Teigão dos Santos foi assessor do Governo anterior durante três anos e ficou com os cabelos em pé quanto ao funcionamento dos executivos em geral. Acaba de lançar Governar Melhor, livro em que apresenta propostas para “trazer os governos para o século XXI”. A sua máxima é que a reforma do Estado deve começar pela reforma do Governo. E há muito a fazer.

O que é que o surpreendeu mais nos três anos em que esteve no Governo?
O funcionamento interno. As pessoas têm a ideia de que as grandes tensões são entre o Governo e as oposições, mas a nível interno há sempre um grau elevado de tensão, de conflitualidade — faz parte da dinâmica de trabalho. Nós temos os ministérios muito separados, com as equipas a defenderem a sua trincheira.

Cada ministério é como um minigoverno, como nos disse uma vez o ex-secretário de Estado Pedro Lomba?
Sim. Por exemplo, quando há um diploma que toca questões de Ambiente e de Economia, cada qual defende a sua dama. Num tempo em que há cada vez mais tecnologias de comunicação, este funcionamento muito sectorial ao nível dos ministérios acaba por ser anacrónico. E este afastamento é relacional, é político, mas também é físico e tem a ver com a forma como os ministérios estão distribuídos pela cidade de Lisboa.

Defende a concentração espacial de todos os ministérios num só edifício ou complexo, como se fez com o Campus de Justiça. É assim tão importante?
É muito relevante. Neste momento temos 18 ministérios — com 59 a 61 equipas políticas, entre ministros e secretários de Estado — que vivem em 16 edifícios, mais os quatro ou cinco das secretarias-gerais e gabinetes de planeamento de apoio ao Governo. Ou seja, numa vintena de edifícios dispersos, alguns em localizações que não fazem sentido hoje. Lisboa é uma das cidades europeias com maior risco sísmico e temos os ministérios da Administração Interna e das Finanças à beira-rio. Depois há a questão de custos, porque este modelo é caro: os ministérios pagam taxa de onerosidade pela ocupação dos edifícios públicos. Por ano, custam 22 milhões de euros, somando esta taxa com água, luz, gás. E depois há os recursos humanos: o facto de os ministérios terem a sua ‘vidinha’ própria, faz com que se dupliquem estruturas de serviços. Não há uma lógica de sistema. E ainda há os custos de deslocação dentro do próprio Governo. Na altura em que estava no gabinete [do secretário de Estado do Ambiente], não tínhamos wi-fi. É necessário racionalizar, poupar custos, mas sobretudo de melhorar os processos governativos.

PÚBLICO -
Aumentar

Quanto estima que a concentração do Governo permitiria poupar?
As poupanças seriam sobretudo na máquina administrativa: hoje há cerca de 3500 pessoas nos gabinetes e secretarias-gerais, poderiam ser perto de 2500. Quanto aos edifícios, era possível fazer a mudança a custo zero, tendo em conta que a maior parte dos que hoje estão afectos a ministérios estão em zonas nobres que poderiam ser rentabilizados com outros fins. Mas o maior ganho era mesmo a nível da qualidade relacional e coordenação política.

É por isso que defende que a reforma do Estado comece pela reforma do Governo?
Sim, tem de ser. É curioso, porque tudo muda constantemente, tudo se reinventa para ser mais eficiente, os governos querem mudar tudo, legislar sobre tudo, mas não há um olhar para se reformarem a si próprios.

Os ministros da coordenação que propõe poderiam ajudar nessa reforma?
Na lógica da coordenação interministerial, sugiro que se criem ministros coordenadores em três áreas estratégicas: competitividade; sustentabilidade; e cidadania. A ideia é que estes ministros coordenem temas, as grandes prioridades de agenda, em vez de ter todo um conjunto de ministérios com um poder mais igualitário dentro do Conselho de Ministros. A própria Comissão Europeia, na actual administração Juncker, também lidou com a fragmentação, criando a figura dos comissários coordenadores, para agrupar várias áreas. Isto seria um exemplo de inovação.

Propõe um pacto de estabilidade fiscal e planos plurianuais de investimento. Não seria reduzir a margem de manobra política dos governos?
Julgo que não, há sempre espaço para gerir o dia-a-dia, mas tem de haver uma linha de visão para o futuro a nível político de topo. Nestas épocas de grande mudança, é preciso ter um olhar mais esticado no tempo, ter em conta a inovação e modernização na prática. Na última década tivemos governos sobretudo imediatistas: primeiro a implementar o memorando da troika e agora a devolver prestações às pessoas. Ou seja, primeiro um Estado de emergência e depois um Estado-providência. As finanças tornaram-se o alfa e o ómega da política em Portugal, quando deviam estar subordinadas a perspectivas económicas e políticas. Grande parte das medidas que vão sendo anunciadas não têm impacto, são spin de informação. Por outro lado há grande dificuldade em gerir processos de inovação (Uber, Airbnb ou drones), em lidar com crises e catástrofes (Pedrógão Grande), com grandes projectos, como aeroportos e TGV, com grandes grupos internacionais (Facebook, Google), até com as instituições europeias. É como estarmos numa corrida de Fórmula 1 com um Fiat Uno. É isto que é preciso enfrentar e resolver.

Sugerir correcção
Comentar