A sensibilidade à injustiça económica pode significar maior risco de depressão

A forma como certas zonas do nosso cérebro respondem à desigualdade pode ajudar a prever se estas pessoas vão manifestar sintomas de depressão no futuro, concluiu agora um estudo de investigadores japoneses.

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Paulo Pimenta

Um grupo de voluntários saudáveis participou num jogo que explorava a desigualdade económica e os investigadores estudaram a actividade de algumas zonas do cérebro. Um ano mais tarde, perceberam que os mais sensíveis às situações de injustiça apresentavam mais sintomas de depressão. A investigação de cientistas no Japão centrou-se na desigualdade económica, com a experiência a explorar a partilha de uma verba em diferentes cenários, mas pode ajudar a identificar, de uma forma mais abrangente, as pessoas que correm mais riscos de desenvolver depressão.

Os autores do artigo dizem que, no contexto estudado, as pessoas que repudiam qualquer forma de desigualdade são “pró-sociais”, o oposto dos “individualistas”. Portanto, no grupo de 343 pessoas envolvidas neste estudo existiam indivíduos com diferentes atitudes perante a injustiça, uns mais pró-sociais do que outros. A todos foi oferecida uma determinada quantidade de dinheiro, que podia (ou não) ser repartida em partes iguais entre o destinatário da oferta e a pessoa que fazia a proposta. Tudo se passava num jogo de computador e a proposta era feita por um “parceiro” virtual. As ofertas eram mais justas (metade/metade) ou injustas, com uma das partes a ficar com uma maior fatia do dinheiro. Enquanto o jogo decorria, os investigadores observaram a actividade cerebral em duas zonas específicas: o hipocampo e a amígdala.

A equipa concluiu que, em resposta a ofertas injustas, a actividade nestas duas áreas do cérebro pode ser correlacionada com sintomas depressivos. Usando os mesmos critérios (mudanças de actividade na amígdala e no hipocampo em resposta a ofertas injustas), também perceberam que o padrão observado estava associado a sintomas depressivos entre a altura do estudo e um ano depois.

“Em pessoas com fortes valores pró-sociais (neste contexto, pessoas que são avessas a todas as formas de desigualdade), os autores conseguiram prever mudanças nos sintomas depressivos da resposta cerebral perante todas as ofertas injustas – incluindo ofertas que beneficiaram os participantes”, esclarece um resumo sobre o artigo publicado na revista Nature Human Behaviour. “Esta investigação, realizada em pessoas saudáveis, que não sofrem de níveis clínicos de depressão, destaca que a forma como as pessoas respondem à desigualdade tem implicações a longo prazo no seu estado de humor”, acrescenta o mesmo documento, concluindo: “Futuras investigações podem ter em conta estes resultados para desenvolver formas de identificar e proteger indivíduos em risco de doença mental.”

No artigo, os autores começam por notar que apesar de existirem vários estudos que associam a desigualdade económica à depressão, estão ainda por esclarecer os mecanismos neuronais que estarão subjacentes a esta ligação. Com este estudo, há um passo em frente. Os investigadores demonstram que os padrões de actividade na amígdala e no hipocampo, obtidos através de ressonância magnética, quando as pessoas são expostas à injustiça ou desigualdade, podem ajudar a prever sintomas de depressão no presente e no futuro (medidos um ano após as experiências). “Estes resultados sugerem que a sensibilidade à desigualdade económica tem um efeito crítico nos estados de humor e que a amígdala e o hipocampo desempenham um papel fundamental nas diferenças individuais deste efeito.”

Mas será que, mais do que ser sensível à injustiça (económica ou outra), será caso para dizer que ser “apenas” sensível a qualquer coisa é o suficiente para associar estes padrões de actividade a sintomas de depressão? Será que uma pessoa mais empática corre mais risco de depressão? “O que mostramos no artigo é que o padrão de actividade em determinadas zonas na amígdala e no hipocampo pode prever alterações no índice de depressão. Esse padrão de actividade inclui um aumento e uma diminuição da actividade em resposta à desigualdade. Também medimos a escala de empatia, mas não encontramos uma correlação entre os resultados e a alteração no índice depressão quando fizemos a avaliação um ano depois”, responde ao PÚBLICO Masahiko Haruno, do Centro para a Informação e Redes Neuronais, do Instituto Nacional de Informação e Tecnologia de Comunicações, em Osaca (Japão), e um dos autores do artigo.

No que se refere ao risco de depressão das pessoas mais sensíveis (e durante longos períodos), o investigador adianta que não tem dados para confirmar ou desmentir a hipótese. Megan Speer e Maurício Delgado, dois investigadores do Departamento de Psicologia da Universidade Rutgers, em Newark (nos EUA), que assinam um comentário sobre o estudo na Nature Human Behaviour deixavam essa e uma outra questão em aberto. Segundo explicam, esta relação entre o cérebro e estado de humor pode funcionar ao contrário, existindo já um padrão de actividade cerebral que faz com que a resposta à desigualdade seja maior e o risco de depressão também. Ou mesmo, sugerem estes especialistas, talvez exista uma terceira variável desconhecida que serve de mediador na relação cérebro-humor.

“A minha opinião é que a actividade da amígdala e do hipocampo reflecte parcialmente a personalidade de cada pessoa. Assim, a actividade do cérebro e a mudança no índice de depressão não é um mapeamento simples, e a actividade cerebral depende da personalidade de cada pessoa”, responde Masahiko Haruno ao PÚBLICO.

Masahiko Haruno espera adaptar o método usado neste trabalho para identificar outras variáveis importantes que podem estar associadas à depressão, bem como estruturas cerebrais decisivas. Talvez, como destacam os autores do comentário ao estudo, o risco de depressão possa ser denunciado noutras regiões do cérebro em resposta a outras decisões e comportamentos que também jogam com o sentimento de injustiça ou com outro tipo de “estados de alma”, como dilemas morais, culpa, conflito, uma desilusão amorosa ou um simples acontecimento stressante. Esse será o próximo passo da investigação. “Estou particularmente interessado em classificar a depressão major apoiada em cálculos e nas estruturas cerebrais envolvidas. Espero que possamos fazê-lo aplicando o método deste artigo a outras varáveis além das desigualdades económicas.”

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