“Foi duro” dar a ordem para matar Che, admite agente cubano da CIA
Félix Rodríguez tirou a última fotografia com o guerrilheiro em vida. “É melhor assim. Eu nunca devia ter sido apanhado vivo”, terá respondido Che quando soube que ia morrer dentro de minutos.
Nove de Outubro de 1967. “Uma e quinze da tarde”, anotou Félix Rodríguez nos seus papéis quando ouviu, a cerca de cem metros, uma rajada de tiros. O então agente cubano da CIA, que participou na captura de Che Guevara na Bolívia, guarda até hoje a última fotografia tirada com o guerrilheiro, momentos antes da sua morte, em La Higuera. Foi ele quem avisou Che que iria ser morto e hoje admite que “foi duro” fazê-lo. “É melhor assim. Eu nunca devia ter sido apanhado vivo”, terá dito então o guerrilheiro.
Numa entrevista ao El País na sua casa de Miami rodeado de galardões, medalhas, fotos, armas e fotos com presidentes dos Estados Unidos e espiões que já morreram, como descreve o jornalista Pablo de Llano, Félix Rodríguez recorda as últimas horas de Che e como foi a sua captura. O início da conversa é precisamente a fotografia.
O antigo agente conta que uma equipa das Forças Armadas Bolivianas estava em La Higuera quando o capitão Gary Prado recebeu a informação de que um agricultor das redondezas identificara o grupo de guerrilheiros num desfiladeiro perto. Há ordens para cercar a Quebrada del Churo na noite de sábado e na manhã de domingo as tropas avançam.
No meio do tiroteio, Che é ferido numa perna, sem gravidade, entre o joelho e o tornozelo, mas a maior parte dos seus companheiros é morta. Quando foi capturado terá dito: “Não disparem, eu sou Che. Valho-vos mais vivo que morto”. Levado para a pequena escola de La Higuera, foi amarrado de pés e mãos e deitado ao lado dos cadáveres de dois cubanos.
Rodríguez conta que estava em Vallegrande, a cerca de 60 quilómetros de distância, recebeu o código “papá cansado” e tratou logo de sacar de um par de garrafas de whiskey para comemorar no pequeno hotel. No dia seguinte, ao raiar do dia, fazem a viagem de helicóptero até La Higuera, pilotado pelo capitão Niño de Guzmán.
Interrogado, Che Guevara não abria a boca. Rodríguez foi fotografando tudo o que o guerrilheiro guardava na mala de couro de trazer a tiracolo – o diário, as fotos da família, medicamentos para a asma, uns livros com códigos.
Entretanto toca o telefone. Era da parte do Governo boliviano, com o código 500-600. 500 era “Che Guevara”; 600 para “morto”. 700 seria “mantenham-no vivo”. Não, as ordens a alto nível eram mesmo 500-600. Rodríguez ainda diz ao coronel boliviano Zenteno Anaya que Cuba quer Che vivo para o interrogar. “Tens até às duas da tarde para o interrogares. E às duas da tarde podes executá-lo da forma que quiseres porque sabemos o mal que fez à tua pátria. Mas quero que às duas da tarde me tragas o cadáver de Che Guevara.”
Rodríguez conta que depois de falar com Che, o piloto Guzmán aparece com uma câmara Pentax dizendo que um major Arnaldo Saucedo quer uma foto do prisioneiro. “Comandante, olhe o passarinho!”, pediu Félix ao guerrilheiro que descreve como um “mendigo”, com roupas rotas e sujas, e uns pedaços de couro amarrados nos pés a fazer de botas, o cabelo desgrenhado – uma sombra das imagens que tinha de Che em Moscovo ou Pequim ao lado dos respectivos líderes. “E ver este homem assim como alguém que estava a pedir esmola… dava pena.”
“Possivelmente o episódio mais duro [da minha carreira] foi precisamente quando tive que comunicar a ordem, da parte do Governo boliviano, para eliminaram Che”, admite o antigo agente. Que apenas disse ao guerrilheiro “Comandante, sinto muito, é uma ordem superior” – “E ele entendeu perfeitamente o que lhe estava a dizer.”
O que retorquiu Che Guevera? “É melhor assim. Eu nunca devia ter sido apanhado vivo.” Os últimos desejos foram escassos: que entregasse o seu cachimbo a um soldado boliviano (algo que nunca fez), que transmitisse a Fidel que em breve veria uma “revolução triunfante na América” e que dissesse à mulher para se casar novamente e “ser feliz”.