Domar bestas mecânicas em Forza Motorsport 7

Há tanto para fazer no novo jogo da Turn 10 que são necessárias dezenas de horas. Mas mais do que a quantidade, é a qualidade que leva os jogadores a ficarem para mais uma corrida.

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Quando se conduz a 250 km/h em Spa-Francorchamps numa noite cerrada é impossível que o coração não bata ligeiramente mais rápido. Predomina o breu e as memórias do traçado que fomos criando. Cada curva é quase um salto de fé - não é o medo de falhar, mas sim a ansiedade que vai sendo acumulada até à ponta dos dedos que seguram o comando. E no topo do Eau Rouge, o alívio temporário de mais uma passagem com o carro inteiro. Longas horas antes tinha começado a jogar Forza Motorsport 7 na Xbox One.

Desenvolvido pela Turn 10 Studios e publicado pela Microsoft Game Studios, o simulador de condução é uma das maiores apostas da casa de Redmond para 2017. Quando começamos a nossa carreira como piloto, depois de escolher se queremos ser representados digitalmente por uma figura feminina ou masculina, arranca a jornada que levará a nossa carreira por corridas espalhadas pelo globo (26 locais), pelo coleccionismo de novos carros, pelo deixar fluir a paixão automóvel por incontáveis momentos memoráveis.

A carreira está dividida em seis divisões diferentes, cada uma das quais com várias competições. Continuem a jogar e desbloquearão SP para passar à seguinte. Como cada engloba várias provas, é uma competição com uma longevidade assinalável. E quando finalmente chegarem ao final da derradeira categoria, o jogo tem uma última surpresa na manga: são desbloqueadas ainda mais competições espalhadas pelas várias divisões. São dezenas de horas até chegarem aqui, mais de quarenta no meu caso.

Nota-se claramente um esforço para que estas longas horas não atinjam prematuramente a saturação. Para tal, há vários tipos de provas que vão desde as corridas tradicionais, a provas um-contra-um, passando por objectivos de ultrapassar um determinado número de carros antes da bandeira axadrezada, passar por entre pórticos espalhados pela pista e até por atingir uma determinada pontuação derrubando pinos de bowling.

Muitos destes eventos especiais são designados como Showcase e ajudam a diversificar a jogabilidade, mas sobretudo o estado de espírito do jogador. Esta luta contra a estagnação é também conseguida porque a maioria das provas impõe restrições nos automóveis que podem ser usados. Sejam utilitários, camiões, ATVs, carros de turismo, Hot Rods, carros de rally e de NASCAR, carros de Formula E, F1 clássicos (McLaren ou Ferrari) e actuais (podem comprar o Renault de Nico Hülkenberg na divisão mais avançada). Além disso, há provas para protótipos, para P2 e P1, os inconfundíveis carros que participam nas provas de resistência, como as 24 Horas de Le Mans.

Claro que muitas destas classes mais apetecíveis aparecem na segunda metade da carreira, mas não pensem que no início a competição se faz apenas com carros que estão habituados a ver passar no quotidiano. Sente-se uma variedade e uma motivação para continuarem o investimento de tempo a longo prazo. O jogo sabe-o bem. Depois de terminado, algumas das provas desbloqueadas são claramente uma recompensa: uma prova com o Lamborghini Veneno e outra com o eternamente amado Ferrari F40, 250 milhas em Le Mans com um Porsche 919, 125 milhas em Nürburgring com um Honda Civic igual ao que é pilotado por Tiago Monteiro no WTCC, entre outras.

Como provavelmente já adivinharam, há muitos carros para serem adicionados à vossa garagem - mais de 700 segundo a produtora. Em Forza Motorsport 7 há cinco níveis de automóveis e no início só podem comprar carros do mais baixo. Participar em corridas dá direito a - além de SP - CP, a moeda do jogo. Todavia, cada veículo que comprem aumentam o vosso CR até subirem de nível, desbloqueando assim o acesso a veículos restritos dos níveis superiores.

Na prática, além de terem que amealhar SP para aceder a novas divisões do campeonato, têm também que juntar CP para comprar os carros que não são atribuídos com vitórias em certos eventos, e ainda CR, que desbloqueia o “privilégio” de poderem comprar os veículos mais apetecíveis. Isto faz com que, por exemplo, não possam jogar trinta minutos e comprar um McLaren F1 ou um Audi R18.

Outra das novidades de Forza Motorsport 7 são as Prize Crates. Em vez de só investirem o dinheiro amealhado em carros, o jogo disponibiliza estas caixas mistério que começam nos 20,000CR e que podem chegar, no momento em que este texto é escrito, aos 300,000CR. O seu conteúdo é uma surpresa composta por vários elementos entregues à sorte e não à perícia. Novos carros, equipamento de corrida, Badges e Mods.

A questão principal com este sistema está relaccionada com o último tipo de prémios, os Mods. São cartas que podem usar nas corridas que o permitem e que aumentam a percentagem de experiência ou de dinheiro recebidos. A maioria dos Mods pede algo ao jogador na pista, como por exemplo realizar curvas com a melhor trajectória, fazer ultrapassagens limpas. Outros Mods alteram as condições da própria corrida: jogar com o ABS desligado, pilotar apenas com a câmara interior ou sem a linha que indica a trajectória e os pontos de travagem na pista, etc.

Compreende-se que isto queira tentar diversificar a jogabilidade, porém, o acto das recompensas serem atribuídas por sorte e não habilidade choca um pouco com o espírito da série. Neste momento, as Prize Crates são compradas com dinheiro do próprio jogo, mas fica no ar a dúvida se a produtora não abrirá a porta a microtransacções pagas com dinheiro real, o que certamente não cairia nada bem junto da comunidade de fãs.

No que verdadeiramente importa, ou seja, quando temos o volante à frente e quilómetros pela frente, Forza Motorsport 7 é excelente. A jogabilidade varia consoante a máquina que estamos a pilotar, responde à habilidade que temos e que vamos aprimorando com o passar das provas. Ao longo desta estadia foram incontáveis as vezes que tive que ajustar o meu estilo de jogo, reaprendendo as distâncias de travagem e a forma como determinado veículo reage à inserção em curva.

Mais: este refinar do comportamento do carro e, consequentemente, a minha própria disposição, foi catalisador para momentos, não só de concentração total, como de diversão em pista. Isto está também associado aos traçados onde competi sem sair do sofá - as encadeadas de Silverstone, Suzuka ou Circuito das Américas, são como um bailado com sapatilhas de borracha.

Quem é excelente numa classe pode não ser excelente em todas, o que leva ao desafio e à aprendizagem. Travagens em que ficamos pendurados nos travões até ao último segundo enquanto os discos ficam incandescentes, curvas longas em que a traseira do carro começa a perder a batalha contra a física, enfim, sente-se que Forza Motorsport 7 foi pensado e afinado até ao ínfimo detalhe.

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E nada disto é sinónimo que estamos perante um simulador apenas para quem sabe jogar, como Assetto Corsa ou até mesmo Project Cars 2. Há vários parâmetros da dificuldade que podem ser ajustados, incluindo a Inteligência Artificial dos Drivatars, que assistências querem ligadas, e a já mencionada linha virtual que indica quando devem travar e qual é a melhor trajectória. Além disso, se quiserem, há a opção de pressionar um botão e rebobinar aquilo que correu mal, voltando a tentar aquela curva ou aquela colisão até que o desaire seja evitado. São veteranos? Desliguem tudo isto e o jogo adapta-se.

Já mencionei algumas pistas entre as três dezenas de traçados que o jogo inclui, porém, há duas que merecem mais algumas linhas: Dubai e Rio de Janeiro. São o caso perfeito de traçados desafiantes, que contêm pontos em que a mínima falta de timing estraga a secção, mas que quando correm bem são extremamente gratificantes. Claro que quando o veículo está transformado numa bola de pinball temporária a paixão é pouca, mas, tal como em quase tudo neste Forza, a dedicação melhora a prestação; a dedicação melhora os jogadores enquanto pilotos.

A qualidade do tempo que passei nas pistas é indissociável do departamento técnico da obra. Os motores estão bem representados sonoramente, mas é o grafismo que se destaca. As representações digitais das pistas, muitas das quais fazem parte de vários campeonatos mundiais, são fiéis ao que costumamos ver na televisão, mas os píncaros deste departamento são a modelagem dos carros e os efeitos meteorológicos.

A modelagem porque coloca cópias de carros de sonho, sim, mas porque pilotá-los usando a perspectiva do piloto, ou seja, com uma das duas câmaras interiores, é um acentuar da imersão. Os odómetros funcionam, os relógios mostram a hora real, as escovas e os espelhos abanam com o vento, os materiais usados em cada modelo estão representados: são réplicas exactas que vão desde o modelo mais barato até ao Formula 1, até ao Lamborghini, ao Ferrari e ao Porsche.

As condições meteorológicas alteram a forma como as corridas são disputadas, mas sobretudo proporcionam momentos deslumbrantes para a íris. A chuva que aparece a meio de uma prova deixa os pingos a deslizarem pelo pára-brisas, o asfalto molhado e espelhado acrescenta uma camada de desafio. Isto aliado ao excelente sistema de luz, faz com que haja um ambiente que nos transporta momentaneamente para aqueles locais.

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Se tudo isto não chegar, há ainda modos complementares e secundários. Ecrã dividido para medirem talentos com amigos e familiares na mesma televisão, o modo Free to Play onde podem experimentar pistas e carros definindo as próprias regras. E claro, uma componente multijogador que serve para competir contra outros jogadores de carne e osso espalhados pelo mundo. As provas em que participei não tiveram qualquer problema de latência, importando ainda mencionar que as Ligas Online serão adicionadas “brevemente”. E por falar em funcionalidades que ainda não estão disponíveis, a Casa de Leilões (Auction House) ainda não abriu e os eventos Forzathon não arrancaram com o lançamento do jogo.

Forza Motorsport 7 é um compêndio de condução digital. Por muito que se escreva haverá sempre mais linhas sobre uma outra funcionalidade, como o sistema de homologação, que não permite agora que um determinado carro exceda os limites da classe. Ou seja, podem melhorar os carros com peças, mas sem exceder o que determina a lógica de que o carro deverá competir contra os seus semelhantes.

Mesmo depois de todas estas horas, há a vontade de regressar, de dominar mais uma e outra pista, de continuar a investir tempo, porque há essa motivação, nem que seja para conduzir novamente no breu ou para ver o âmbar do sol reflectido depois de uma chuvada ter deixado o alcatrão a brilhar. Resta saber como é que a Turn 10 lidará com a questão das microtransacções quando a poeira do lançamento assentar; resta saber se terá a sapiência para não estragar o que é neste momento um excelente jogo de corridas.

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