Pouca experiência mas muito entusiasmo – é deles que a música precisa

O Coro Infantil Casa da Música apresenta-se pela primeira vez este domingo na Sala Suggia para assinalar o Dia Mundial da Música e é o quinto agrupamento residente da instituição.

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Ensaio do Coro Infantil Casa da Música PAULO PIMENTA
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A quatro dias da grande estreia em palco, os pequenos intérpretes do Coro Infantil Casa da Música chegam com notável pontualidade à principal sala de concertos do Porto para o primeiro dos três ensaios de preparação para War Requiem, o concerto que vai buscar o nome à icónica obra de Benjamin Britten e que assinala este domingo o Dia Mundial da Música. De mão dada com a mãe, Luna avista a colega Érica na escadaria da entrada e acena-lhe. As duas meninas trocam um sorriso empolgado e cúmplice que não esconde que fazem parte de um projecto muito especial – o Coro Infantil Casa da Música, o quinto agrupamento residente da instituição que nasceu de um extenso processo de selecção coordenado pelo serviço educativo da Casa em parceria com três escolas públicas do primeiro ciclo do Porto (EB1 de Quatro Caminhos, em Matosinhos, EB1 Quinta das Chãs, em Vila Nova de Gaia e EB1 da Lomba, no Porto).

Enquanto esperam pelo início do ensaio, as 40 crianças que foram escolhidas de um total de 320 alunos dividem-se em vários grupos à conversa e o burburinho toma conta do primeiro piso do edifício. Os pais, que têm o peito inchado de orgulho mesmo antes de assistirem à derradeira actuação das crianças, monopolizam os panfletos que anunciam a agenda de Outubro da instituição e onde figura o nome do novo coro. Aquela que é agora a sua primeira apresentação em público será um dia uma memória e é preciso apreciar cada etapa alcançada. Não admira, pois, que a algazarra rapidamente dê lugar ao silêncio assim que a maestrina Raquel Couto dá as primeiras indicações para o aquecimento vocal, que conta com animados vocalizos com nomes tão singulares como “ovo na boca” ou “porco no espeto”.

“Foi um desafio tentar arranjar estratégias para ensinar um requiem em tão pouco tempo [um mês de ensaios] a um coro pré-concebido de crianças que nunca tinha cantado de forma profissional”, afirma a responsável pela direcção coral ao PÚBLICO. War Requiem, obra composta pelo britânico Benjamin Britten em 1962 a partir de poemas de Wilfred Owen, é uma complexa e histórica peça que homenageia as vidas perdidas na II Guerra Mundial – estreou-se aliás, por ocasião da consagração da Catedral de Coventry, a antiga Catedral de St. Michael destruída durante o conflito – e apela à paz e à compreensão entre os povos e as nações.

Nem o peso simbólico nem a dificuldade técnica da obra conseguiram inibir os pequenos cantores. “Eles já vêm para os ensaios a cantarolar o Requiem em vez de cantarolarem as canções deles; vêm a cantarolar o Dies Irae ou o Domine Jesu e para nós isso é muito interessante”, conta Raquel Couto. A maestrina faz parte de uma equipa de formadores da Casa da Música que trabalha diferentes áreas como a formação musical e técnica vocal com os pequenos coralistas e tem vindo a prepará-los para o primeiro encontro em palco com Baldur Brönnimann, maestro titular da Casa da Música.

“Às vezes pensamos que temos que fazer coisas mais fáceis com as crianças, mas eu não concordo. Elas vivem no seu próprio mundo, mas conseguem compreender perfeitamente o que estamos a fazer e nós temos a obrigação de lhes mostrar música de qualidade”, explica, acrescentando que “os profissionais têm muito a aprender com elas, porque tecnicamente os ritmos e as notas podem ser difíceis, mas nunca perdem a energia e essa é uma atitude que todos deveríamos ter”.

O entusiasmo de que a música precisa

Depois do aquecimento vocal, as crianças sobem em fila indiana para a parte superior do palco da Sala Suggia e sentam-se nas posições que ocuparão este domingo. O primeiro ensaio conta apenas com o coro infantil, mas os lugares vazios permitem antever a participação de três outros grupos no concerto: a Orquestra Sinfónica Casa da Música, o Coro Lira e o Coro Nacional de Espanha. Primeiro com o livreto na mão e depois “de memória”, como pedido pelo maestro, as crianças põem a timidez de lado e soltam as notas do exigente requiem. Em boa verdade, mal podem esperar por mostrar ao público o resultado das consecutivas semanas de trabalho da missa de Britten.

Luna tem dez anos e diz sentir uma “mistura muito grande de ansiedade e nervosismo”. “Estou muito feliz. Para nós já é incrível cantar esta música e aprender outras línguas, porque esta música não é portuguesa”. Catarina concorda com a colega e afirma que “cantar em latim é diferente”, mas “não é difícil de dominar, o mais difícil é aprender as notas”. A menina de dez anos aponta a ajuda prestada pelo Coro Lira – coro amador da cidade do Porto – nos ensaios. “Nós estamos a estrear-nos e eles já estão habituados, por isso eles ajudam-nos a cantar”.

Nazariy, de nove anos, confessa que não se sente nem nervoso nem ansioso, mas sim “super mega ansioso pela estreia”, porque vai ter a mãe e o irmão na plateia a assistir. Também Luna vai contar com a mãe, a sua maior admiradora, na audiência. “Da última vez [numa das fases de selecção] chorou, acho que vai chorar outra vez”, reconhece. A pequena coralista afirma com toda a certeza que quer continuar a fazer música. “Quero ser cantora”, confessa. Já Nazariy partilha do gosto pela música, mas tal como Catarina, não arrisca dizer que é por aí que passa o seu futuro. “Ainda estou a pensar em ser professor ou músico”, refere. E por que não juntar as duas coisas e ser professor de música? “Pode ser”, responde prontamente.

Baldur Brönnimann acredita que a criação de um coro infantil vai de encontro ao sentido de comunidade que a Casa da Música procura cultivar. “Se estas crianças ficarem realmente interessadas na música e na cultura, então teremos cumprido a nossa missão”, justifica o maestro, que caracteriza a instituição como “um edifício que está aqui para dar a toda a gente o acesso indiferenciado à música”. “É este o entusiasmo de que a música precisa e esperamos que isso também possa transparecer para a audiência”, afirma o maestro.

Mais que música, uma educação humana

As várias etapas por que passaram para poder estar entre as vozes escolhidas para o projecto deram aos alunos uma maior consciência da importância da tarefa que lhes foi atribuída. “Eles criaram o gosto pela música e percebem a responsabilidade e o privilégio de estar aqui”, admite Raquel Couto. “Houve muita gente que não pôde participar, por isso não temos problemas de indisciplina.”

A maestrina ressalva ainda o sentido de compromisso que as famílias dos pequenos cantores tiveram que assumir. “[A formação do coro] implicou novas rotinas e uma responsabilização enorme, por isso [os pais] tiveram que ter muita coragem para aceitar e se comprometer”. As crianças ainda não subiram a palco e os resultados já estão à vista. “Os pais notam mudanças a nível comportamental, na memória e na sensibilidade”, aponta, acrescentando que esta “não é apenas uma educação musical, mas também uma educação humana e familiar”.

Após duas horas de ensaio, as crianças organizam-se em grupos de dez para irem ao encontro dos pais da forma mais ordeira possível. Mas as paredes da Casa da Música já não são as mesmas sem o rebuliço dos pequenos cantores que a partir de agora se poderão apresentar a capella, acompanhados de piano ou com a orquestra. “Estamos a estudar a hipótese de fazer um concerto de Natal”, revela Raquel Couto. Para já, War Requiem promete ser, além de uma estreia memorável, a derradeira celebração da música e das sucessivas gerações que nela se perdem e se encontram.

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