A música que chegará agora que o Verão se despediu

Os novos de Kamasi Washington e Camané. O regresso dos pesos-pesados U2 e de St. Vincent. E David Byrne e os Vampire Weekend, dão-nos música ou não? Os discos que aí vêm.

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Harmony of Difference, de Kamasi Washington, ciclo de seis temas com rota de auto-descoberta bem definida: Desire, Humility, Knowledge, Perspective, Integrity, Truth. Hoje, 29 Paulo Pimenta

A ideia de rentrée já não é o que era. Os discos são editados num fluxo sem fim, são muitos e cada vez mais, numa diversidade sem precedentes que entontece tanto quanto entusiasma. Descobrimo-los por acaso num site, numa loja, enquanto avançamos de link em link. Por vezes, somos surpreendidos e ei-los que surgem sem pré-aviso – num momento não sabíamos sequer que estavam a ser preparados, no seguinte, eis a nova obra surpreendente do autor conceituado disponível em todas as plataformas digitais.

A ideia de rentrée pode já não ser o que era, mas os velhos hábitos são difíceis de mudar. Se o Verão continua e, até prova em contrário, continuará a ser aquele período em que o correr normal dos dias se suspende entre férias, fins-de-semana longe de casa e dolce far niente ao final da tarde, se o fim das férias marca o regresso ao ritmo de vida habitual, é indiferente que a rentrée, no que ao mundo da música diz respeito, já não seja o que era. Acordamos sobressaltados do Verão que já lá vai, olhamos de soslaio para os casacos no guarda-roupa e olhamos de frente para o que aí vem. Vale bem a pena.

Hoje mesmo, 29 de Setetmbro, Kamasi Washington revela a sua primeira edição desde The Epic, o álbum de estreia que foi um dos acontecimentos de 2015, revelando um músico de visão e ambição ímpares, criador de pontes de grande generosidade criativa, como o atestam as colaborações do saxofonista e compositor com Herbie Hancock, Run The Jewels, Flying Lotus ou Kendrick Lamar. Depois do álbum triplo, chega Harmony of Difference, ciclo de seis temas com rota de auto-descoberta bem definida: Desire, Humility, Knowledge, Perspective, Integrity, Truth. Hoje, 29 de Setembro, é também o dia em que Mazgani edita o sucessor de Lifeboat, Poet’s Death, co-produzido por Peixe, o antigo guitarrista dos Ornatos Violeta, e álbum em que o cantautor português se afirma definitivamente como voz perscrutando, com alma blues e coração Caveano e Waitsiano, as nossas inquietações, ansiedades e desejos.

Hoje, o australiano radicado na Islândia Ben Frost, autor, no sentido mais rigoroso do termo, que molda o ruído e pulsações electrónicas em matéria viva, envolvente, mostra ao mundo o que andou a fazer com Steve Albini durante dez dias em Chicago – deu ao resultado o título The Centre Cannot Hold. Hoje – nós avisámos, as edições não param –, as Ibeyi, o duo franco-cubano formado pelas irmãs Naomi e Lisa-Kaindé Diaz, lançam Ash, o seu segundo álbum, aguardado com expectativa depois da descoberta que representou a estreia homónima. Aqui chegados, voltemos ao início do parágrafo. Imagine quem se ouve em Ash? Kamasi Washington, ele mesmo – é dele o saxofone em Deathless, primeiro single do novo disco.

Até ao final do ano, como se depreende, não faltará actividade editorial. No campeonato dos pesos-pesados, é incontornável referir os U2, que editam Songs of Experience dia 1 de Dezembro. O novo álbum dos irlandeses foi iniciado há três anos e foi-se transformando à medida que o mundo ia também ele caminhando numa certa direcção. Sim, Trump e o Brexit serão presença nas canções, mesmo se não citados directamente – quanto ao som que nele ouviremos, Bono, em entrevista recente à Rolling Stone aponta uma falha no anterior Songs of Innocence, a sua superfície demasiado polida, que espera ter sido agora corrigida.

Antes de os U2 dizerem o que tem a dizer sobre o mundo contemporâneo, dia 13 de Outubro, Beck editará por fim o álbum de que nos anda a falar há algum (muito) tempo. O primeiro single, Dreams, saiu em 2015. Um ano depois, anunciou-se Outubro de 2016 como data de edição de Colors. Não aconteceu então. Acontece agora. Gravado com o produtor Greg Kustin (Lily Allen, Sia, Shins, Adele) tem sido descrito como uma colecção ecléctica de canções, ou seja, Beck Hansen a vestir várias peles diferentes, canção a canção.

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Camané Canta Marceneiro chega dia 6 de Outubro e o título explica tudo FERNANDO VELUDO/ NFACTOS

Cá dentro teremos, por sua vez, um peso-pesado a homenagear um gigante. Camané Canta Marceneiro chega dia 6 de Outubro e o título explica tudo. É Camané a tratar o mítico Alfredo Marceneiro da melhor maneira possível, colocando-se totalmente em Bêbado pintor, O Louco, Olhos fatais, Lembro-me de ti, ou a inevitável A Casa da Mariquinhas – o álbum inclui um dueto com Carlos do Carmo em A Lucinda Camareira e, como habitualmente, a produção, arranjos e direcção musical são de José Mário Branco, que divide a supervisão artística com Manuela de Freitas. No mesmo mês, mas dia 20, Ana Bacalhau, vocalista de Deolinda, estreia-se a solo com Nome Próprio, álbum no qual participam Samuel Úria, Jorge Cruz, Nuno Prata, Capicua, Francisca Cortesão, Afonso Cruz, Nuno Figueiredo, Carlos Guerreiro ou Márcia.

Springsteen talvez, St. Vincent de certeza

Não sabemos se nos próximos tempos chegará novo disco de Bruce Springsteen, o registo a solo de que já se falava em Janeiro – “mas quando digo a solo, não estou a falar de um álbum acústico, é, na realidade, um disco muito expansivo, muito rico”, precisou o músico – e, ainda que sem data de lançamento definido, parece certo que David Byrne editará um álbum no início de 2018. Será o primeiro assinado sem a companhia de um colaborador (Brian Eno e St. Vincent entre os mais recentes) desde Grown Backwards, de 2004. Em Maio, o ex-Talking Heads afirmou isso mesmo numa entrevista em que revelou que pela menos uma das canções teve a participação de Daniel Lopatin (Oneothrix Point Never) e que a sua dieta musical passava naquela altura por Sinkane, Weeknd, Lorde, Lambchop, PJ Harvey, Sampha e Bon Iver. Certo também, a confiar em declarações de Agosto, é que o próximo ano arrancará com o terceiro álbum dos escoceses Django Django, que passaram o mês passado a prepará-lo num estúdio construído propositadamente para o efeito no norte de Londres. Mas, antes disso…

Antes dos Django Django ou dos U2, já daqui a duas semanas, dia 13 de Outubro, haverá Lotta Sea Lice, o álbum de colaboração entre o americano Kurt Vile, aclamado jovem mestre da Americana, e a australiana Courtney Barnett, ainda mais jovem cronista, muito inspirada, muito rock’n’roll, do tédio insuportável dos dias (e de outros sentimentos e acontecimentos que fazem a vida ser a maravilha que é). Lotta Sea Lice chega no mesmo dia em que conheceremos o sucessor do álbum homónimo de 2014 de St. Vincent. Tem por título MASSEDUCATION e é sobre “sexo e drogas e tristeza”. É um álbum na primeira pessoa, afirma Anne Clark: “Se quiserem saber da minha vida, ouçam este disco”. Tente adivinhar quem encontramos entre os convidados? Exactamente. Ele mesmo: Kamasi Washington.

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Low in High School, o novo álbum de Morrissey, chegará em Novembro Mario Anzuoni/REUTERS

Uma semana depois, Lindstrøm, o músico e produtor norueguês co-responsável pela recuperação e recontextualização do legado disco sound no século XXI (space disco, chamaram-lhe), dá sequência a Six Cups of Rebel, de 2012, com It’s Alright Between Us As It Is, que conta com a voz de Jenny Hval, entre outras. Será semana farta, com a reedição luxuosa de The Queen is Dead, dos Smiths (Low in High School, o novo álbum de Morrissey, chegará um mês depois, a 17 de Novembro) e com a edição de Ken, o novo de Destroyer, produzido por Josh Wells, dos Black Mountain. E, antes do final do ano, Novembro quase a despedir-se, ainda ouviremos Rest, que marca o regresso aos discos de Charlotte Gainsbourg – entre os convidados encontram-se Paul McCartney, Owen Pallett ou Conan Mockasin. O tema título, produzido por Guy Manuel de Homem-Christo, foi a primeira canção revelada.

Claro que, entre agora e essa altura, entre o Screen Memories (27 de Outubro), que nos permitirá o reencontro com John Maus (e até há concerto para ver no Porto, no Maus Hábitos, dia 31 de Outubro, e em Lisboa, na ZDB, no dia seguinte), a colecção de lados B e raridades de Angel Olsen intitulada Phases (dia 10 de Novembro) ou, surpresa, vejam como o tempo passa, uma reedição de …Baby One More Time, o disco (e canção) que pôs Britney Spears no mapa, muito mais acontecerá – avançamos no tempo e recordamos que, a semana passada, a Blitz dava como Março de 2018 a data para o lançamento de um novo disco de Manel Cruz, o antigo vocalista dos Ornatos Violeta.

Os MGMT editarão Little Dark Age, o seu quarto álbum, em data a anunciar brevemente, os Vampire Weekend confirmarão se o novo álbum, que ainda não sabemos quando chegará, se chamará mesmo Mitsubishi Macchiato, e continuaremos à espera de saber se a música em que Jason Pierce tem trabalhado laboriosamente nos últimos dois anos integrará mesmo a do último álbum dos Spiritualized, como Pierce afirmou o ano passado à imprensa.

Portanto, muito há a acontecer. Há sempre muito a acontecer, na verdade, mas agora que o Verão já foi, agora que já estamos no Outono, voltemos a prestar atenção ao que se passa. Por exemplo, hoje, 29 de Setembro, Kamasi Washington lança um EP de seis temas.

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