Aprovar compra da TVI pela PT com compromissos seria “hipócrita”

Vodafone diz que PT pretende usar conteúdos da TVI para “forçar clientes a mudar de operador”. Nos defende que aprovar negócio com remédios será uma "aprovação com cosmética".

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Claudia Goya estreou-se no debate do Estado da Nação, da APDC. Mario Lopes Pereira

A PT confia totalmente no trabalho dos reguladores que estão a analisar o processo de compra da Media Capital e a Nos também. Os presidentes das duas empresas, Cláudia Goya e Miguel Almeida, respectivamente, disseram-no esta quinta-feira no debate do congresso anual das comunicações. No final da história, é inevitável, alguém sairá desiludido com as decisões da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e da Autoridade da Concorrência (AdC).

Miguel Almeida garante que a Nos vai respeitar e aceitar a decisão dos reguladores com “um sorriso nos lábios”, desde que não seja um “cenário ingénuo e hipócrita”. “Aquilo que teríamos dificuldade em aceitar”, explicou o gestor no debate de encerramento do congresso da APDC, seria o da “não oposição com compromissos”. Neste negócio, “não há qualquer eficácia em remédios comportamentais”, pelo que uma decisão de não oposição à compra com condições aplicadas à PT “não é mais do que uma aprovação com uma cosmética que não vai resistir ao primeiro embate com a realidade”, frisou o presidente da Nos. A Anacom já deu um parecer desfavorável à operação, dizendo que não pode passar nos moldes em que foi anunciada.

“A resposta [dos reguladores] só pode ser não”, afirmou o presidente da Vodafone, Mário Vaz. “Não é receio” da concorrência garantiu o líder da Vodafone, o problema é que a concentração entre a PT e a Media Capital será “prejudicial para o sector das telecomunicações e, por inerência, para o país, e para a democracia, porque falamos de media”. A aquisição do líder dos media pelo líder das telecomunicações só pode explicar-se, “dado o significativo gap de valor entre os dois negócios”, pelo facto de que a Altice olha para a aquisição dos conteúdos como “instrumental” para o negócio das telecomunicações. Por outras palavras, a PT quer ganhar “expressão no mercado das telecomunicações [que é mais valioso] tirando partido dos conteúdos que levaram a TVI a ser líder de mercado”. Isso significa, defendeu o líder da Vodafone, “que os conteúdos serão usados de forma exclusiva”.

“Há um claro incentivo económico” da Altice para fazer este negócio (que avalia a Media Capital em 440 milhões de euros, quando alguns analistas atribuem um valor na casa dos 200 milhões à dona da TVI), disse Mário Vaz. “De outra forma não se justificaria uma valorização destas nesta compra”, assegurou. Falando no universo de 3,7 milhões de subscritores de telecomunicações em Portugal, dos quais 1,4 milhões são clientes da PT/Meo, o presidente da Vodafone realçou que há um universo potencial de 2,3 milhões de clientes que podem “ser forçados a mudar de operador para ter acesso a conteúdos” se a operação vingar.

Basta pegar nesses clientes, multiplicar pela receita média mensal dos clientes de pacotes de televisão 4P e 5P, em torno dos 50 euros, “pôr em cima a margem de 40% de que a Altice gosta tanto de falar” e tem-se a noção do incentivo para fazer esta operação, descreveu Mário Vaz.

Sublinhando que o conceito de exclusividade “é lato” e que a “criatividade” do Meo é muita, o presidente da Vodafone explicou que qualquer compromisso será inútil, pois a operadora da Altice facilmente conseguirá “gerar vantagens exclusivas para os seus clientes”, fazendo com que os consumidores façam a sua escolha de operador “não em função de critérios como qualidade de serviço, inovação ou preço”, mas sim para ir atrás dos conteúdos.

Miguel Almeida recordou que há dois anos, na edição de 2015 do congresso das comunicações, ouviu-se a PT, então presidida por Paulo Neves, “dizer que se ia distinguir pelos conteúdos exclusivos”. “Sabíamos do que estavam a falar e deu no que deu”, disse Miguel Almeida, referindo-se à guerra que se gerou no final desse ano pelos direitos do futebol e que, segundo a Nos, só teve lugar porque a Meo fez uma aproximação ao Benfica para garantir a exclusividade dos conteúdos.

Por isso, fazendo o paralelismo entre estes conteúdos do futebol e os canais privados em sinal aberto (a TVI e a SIC), sublinhou que “a opinião [da Nos] é a mesma”: “Não podem, de forma nenhuma, ser integrados verticalmente num operador de telecomunicações”.

Recusando alongar-se sobre a operação de compra da Media Capital, porque “há uma equipa internacional na Altice” que está a trabalhar no tema, porque tem “total respeito e confiança no trabalho dos reguladores” e porque o congresso da APDC “não é o fórum” para se expressar sobre o assunto, a presidente da PT procurou desvalorizar os receios dos seus concorrentes.

“A estratégia da Altice está bem definida e assenta na convergência entre telecomunicações, conteúdos e publicidade” e isto não é “nenhuma novidade que está a ser testada”, frisou a presidente da PT. “Já está a ser aplicada noutros mercados”, como a França, onde a empresa já tem rádios, televisão e jornais, afirmou.

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