E depois do lixo?

E agora que não somos “lixo”, qual o caminho na Educação? A resposta é só uma: investimento.

Portugal permaneceu nos últimos cinco anos e oito meses no “lixo”, em virtude da dívida pública que depauperava uma económica fragilizada, com os juros respetivos a atingirem valores exorbitantes. As medidas de austeridade impostas pela troika, no auge do rigor da sua implementação, revelaram-se, contudo, insuficientes. A agudizar este cenário desolador, as três principais agências de notação financeira, entre as quais a Standard & Poor’s (S&P), sentenciaram a descida de rating para a categoria “lixo” — puro golpe de misericórdia, a quem já havia submergido.

A única ajuda ao nosso país foi possível graças aos sacrifícios dos portugueses, que sentiram, na pele e na carteira, uma crise sem precedentes, que lhes delapidou as poupanças de uma existência regrada, a par de um aumento da carestia que, em alguns casos, se revelou numa sobrevivência dramática. Que reflexos trouxe às escolas?

Desde logo, os cortes atingiram impiedosamente os mais indefesos e, muito particularmente, a denominada classe média (em bom rigor, classes médias); foram frequentes as notícias de alunos que chegavam às escolas sem tomar o pequeno-almoço e, não tendo dinheiro para aí o adquirir, claudicavam na sala de aula — por este motivo, foram implementados os pequenos-almoços gratuitos pelo governo de então, iniciativa há muito introduzida pelas escolas e autarquias, que incluía ainda o serviço de almoço para alunos carenciados nas pausas letivas (natal, carnaval e páscoa); os diretores suspeitavam que, em muitos casos, o almoço nas escolas seria a única refeição quente ingerida pelos alunos; as receitas nos bufetes baixavam, enquanto o número de alunos abrangidos pela Ação Social Escolar aumentava significativamente...

A nível pedagógico/organizativo, as decisões dos governos (de José Sócrates e Pedro Passos Coelho) foram de cariz economicista e oportunista, em consonância com o momento que agastava o país. Neste rumo de evidências, a partir do ano letivo 2011/2012 a disciplina de Educação Visual e Tecnológica passou a ser lecionada somente por um professor (era até aí lecionada por um par pedagógico), atirando muitos professores ao infortúnio de um horário zero e os contratados a ver-se-lhes fechada, na cara, a porta de entrada para a docência; foi anunciado o aumento do número de alunos por turma; contra a vontade das escolas e em desrespeito pela opinião das autarquias, foram criados, entre 2010 e 2013, 319 mega agrupamentos, a despeito da racionalização da “gestão dos recursos humanos”, acompanhado de pura “retórica mentirosa” destas fusões permitirem “reforçar o projeto educativo e a qualidade pedagógica das escolas, através da articulação dos diversos níveis de ensino” — curioso que uma péssima decisão teve início num governo de esquerda e a continuação e fim num governo de centro/direita (afinal, quem diz não existir um Pacto para a Educação nas ações negativas?); a Parque Escolar (a quem alguns apelidam de “sorvedora de dinheiro”), criada em 2007, exibiu uma diminuição da sua intervenção aquando da presença da troika, encontrando-se, de momento, em atividade moderada, lembrando aos nossos políticos que a virtual “racionalização da gestão dos recursos humanos” deveria estender-se à real poupança dos impostos de todos nós, quando é sabido que “Obras em 200 escolas vão custar tanto como em 14 da Parque Escolar”, sem deixar de referir os critérios que (não) presidiram à seleção de umas certas escolas em detrimento de outras mais necessitadas de obras, as derrapagens dos custos, entre outras.

E agora, depois do “lixo”, qual o caminho na Educação? Acreditando no discurso de natal do primeiro-ministro, bem como nas declarações proferidas numa recente entrevista a um jornal diário, a resposta é só uma: investimento! Nessa abrangência, apresento algumas ideias, entre muitas outras:

Problema da escassez de assistentes operacionais (AO): merece uma resolução prioritária e parece estar bem encaminhada; a portaria que estabelece o rácio do número de funcionários a que cada escola tem direito já foi publicada, devendo a tutela, o mais celeremente possível, autorizar as escolas na sua contratação; este passo de gigante deve ser complementado com a criação de legislação que preveja a substituição destes importantes funcionários quando falecem ou rescindem os seus contratos de trabalho, mas, sobretudo, quando adoecem (estimo em algumas centenas o número de AO nesta situação, prolongada por um, dois ou até mais anos);

Substituição dos computadores (obsoletos) das escolas e aquisição de outros instrumentos informáticos (mobile learning: tablets, iphones/smartphones, e-readers, entre outros);

Disseminação da medida de redução do número de alunos por turma a todas as escolas (só as situadas em territórios educativos de intervenção prioritária foram contempladas); contudo, não fixar um valor concreto, mas antes, porém, atribuir um número por ano de escolaridade, respeitando vários critérios, de entre os quais o número total de alunos e o número de alunos com necessidades educativas especiais sendo assumidos como os mais importantes;

Rejuvenescimento do corpo docente (amplamente justificado pelo desgaste anormal ocasionado pela profissão); os professores a partir dos 60 anos, e até à reforma, deviam exercer funções não letivas, como o acompanhamento prestado aos docentes mais novos, a título de exemplo, num mar de ocupações de incontestável utilidade;

Alargamento da gratuitidade dos manuais e material escolar do 1.º ciclo a outros anos (sem esquecer o referente às disciplinas das áreas das Expressões, particularmente à de Educação Física).

Saibamos tirar conclusões de um passado (recente) tão difícil para quase todos, conscientes de que uma solução duradoura não passará seguramente por varrer o lixo para baixo do tapete! A Educação e os seus profissionais, fortemente penalizados com as medidas de austeridade, merecem ser recompensados.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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