Analistas e oposição denunciam falta de transparência

“Para um território com a dimensão de Angola e os desafios que têm estas eleições quatro peritos podem fazer muito pouco do que aquilo que seria ideal”, afirma Sérgio Calundungo, coordenador do Observatório Político e Social de Angola.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA
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O sucessor de José Eduardo dos Santos à frente da Presidência de Angola é hoje escolhido por quase dez milhões de angolanos. Mas o processo eleitoral é alvo de críticas de analistas e partidos da oposição que denunciam a falta de transparência, o favorecimento do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) e a ausência de observadores da União Europeia (UE) ou organizações internacionais especializadas na fiscalização de escrutínios.

O “Governo angolano e a Comissão Nacional de Eleições [CNE] excluíram deliberadamente toda a observação internacional profissional, que tem experiência já em observar processos africanos, como é a própria UE”, acusa Alcides Sakala, da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). “Desde o princípio que percebemos que havia uma certa má vontade em aceitar a UE como observadora destas eleições e, desde o princípio, que as relações eram tensas”, acrescenta André Mendes de Carvalho, da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE). “A UE seria bem-vinda” e “endereçámos uma carta no sentido de virem observar as eleições”, que “foi assinada por todas as forças políticas da oposição com assento parlamentar”, diz o dirigente do terceiro partido angolano.

Ora, em Julho, Angola e a UE não chegaram a acordo quanto à nomeação de uma equipa de observadores. Tudo porque Bruxelas pediu um memorando de entendimento que garantisse protecção e livre acesso aos seus observadores em todo o país. Esse pedido foi recusado pelo ministro das Relações Exteriores angolano, George Chikoti, alegando que o país não iria assinar acordos particulares, até porque as únicas instituições com as quais Luanda tem tratados específicos sobre a observação eleitoral são a União Africana (UA) e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC, sigla em inglês). "Fora destas, não temos obrigações com outras. É assim que o continente funciona em matéria de eleições. E não esperamos que alguém nos vá impor a sua maneira de olhar as eleições e nos dar alguma lição, como também não pretendemos dar lições em termos de eleições", afirmou então o chefe da diplomacia.

Na preparação das eleições, a UNITA pediu uma série de observadores internacionais. “Seriam 200 observadores: a UE, a Fundação Carter, alguns moçambicanos, cabo-verdianos, personalidades da Guiné-Bissau”, mas “infelizmente foi-se prometendo vistos que até ao momento não foram passados”, disse Sakala. O país conta com milhar e meio de observadores eleitorais entre nacionais e elementos de organizações internacionais de que Angola é parte - UA, SADC e Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) - com equipas que integram antigos chefes de Estado e de Governo como Manuel Pinto da Costa (São Tomé e Príncipe), José Ramos-Horta (Timor-Leste), Lucas Pohamba (Namíbia), Joaquim Chissano (Moçambique), John Mohama (Gana), Pedro Pires e José Maria Neves (Cabo Verde). Em vez de observadores, a UE nomeou somente peritos para acompanhar as eleições.

“Para um território com a dimensão de Angola e os desafios que têm estas eleições - acho que vamos ter as eleições mais renhidas de sempre e envolvidas em muita polémica - quatro peritos podem fazer muito pouco do que aquilo que seria ideal”, afirma Sérgio Calundungo, coordenador do OPSA (Observatório Político e Social de Angola). Para o activista, Angola não teve vontade em ter observadores internacionais que não controlava previamente como é o caso das instituições europeias, mas também existiu “muito pouco interesse da UE" em forçar a sua presença, à luz de acordos internacionais. Na Europa “existem várias tendências, várias maneiras de olhar para Angola, várias perspectivas”, e isso “reflecte-se um pouco no comportamento que a UE vai tendo nas suas relações” com Luanda.

Para a CASA-CE, uma melhor fiscalização dos resultados teria beneficiado o país e o regime democrático. “Quem não deve não teme e só teme quem deve”, afirma André Mendes de Carvalho, que critica o trabalho das organizações internacionais no terreno. As organizações internacionais nomearam antigos chefes de Estado e de Governo, que não passam de um “clube de amigos” do Governo angolano, acusam os opositores. “Eles não vêm suficientemente armados para fazerem uma observação com cabeça, tronco e membros. Virão cá, observarão isso ou aquilo, produzirão um outro comentário, mas não passarão daí”, explica André Mendes de Carvalho, comparando com aquilo que são os procedimentos da UE nestas acções de fiscalização.

Quanto aos observadores nacionais, a UNITA considera que estão assegurados os “mínimos” e muitos “já estão a receber os credenciamentos” para vigiar as eleições. Nestes casos, “o maior papel cabe ainda aos representantes dos partidos nas mesas de voto nas assembleias de voto”. Agora, a” nossa grande preocupação é mesmo sobre a observação internacional, que daria muito mais credibilidade a um processo que, por si só, está cheio de irregularidades”, diz o porta-voz do segundo partido angolano.

No entanto, os delegados não têm acesso livre a todos os momentos da contagem dos votos, salienta o dirigente da UNITA, recordando que Angola não cumpre os procedimentos internacionais. O país “nunca aderiu às recomendações da SADC sobre processos eleitorais”, exemplificou. Apesar disso, Sakala considera que existem condições para uma vigilância correcta e justa do processo eleitoral, isto se os observadores internacionais não tiverem “uma perspectiva política de estarem num clube de amigos”. Agora, “se quiserem agir como profissionais independentes as coisas poderão correr de uma forma diferente”, porque os peritos e observadores internacionais têm uma lista de irregularidades apresentada pelos partidos da oposição.

Cadernos com erros e delegados ilegais

Os cadernos eleitorais são uma preocupação. Existem listas de eleitores que são obrigados a votar em locais “até mil quilómetros de distância dos locais” onde vivem, diz a UNITA. A isso se soma a falta de representatividade dos partidos em todas as assembleias de voto. O Partido da Renovação Social (PRS) é uma das formações políticas mais pequenas e tem dificuldades em apresentar delegados. “Os observadores já estão a ser ludibriados”, diz Benedito Manuel, que admite dificuldades no credenciamento dos delegados, “que são os que controlam as eleições e fazem a contagem”. No PRS, “nem sequer atingimos ainda 20% de credenciamento dos nossos delegados a nível nacional”, mas “nas estatísticas da CNE já estão credenciados dezenas e dezenas de delegados de lista que nós não conhecemos, nem em que momento e nem quando foram credenciados”. Essa lista feita pela CNE “é apresentada também aos observadores que acabam por acreditar naquilo”. Por isso, Benedito Manuel considera que os observadores “vão ter uma missão espinhosa e difícil, tendo em conta que as coisas não estão a ser bem-feitas”.

Avisto Tchongolola Bota vai ser observador, mas diz que a CNE colocou tanta burocracia e demorou tanto tempo a enviar-lhe a credenciação que apenas conseguirá fazê-lo no dia da votação. Natural de Benguela, Bota é activista e fundador do Movimento Revolucionário de Benguela (conhecidos como Revús). Há muito tempo que decidiu - integrado numa organização não-governamental chamada OMUNGA - que seria um dos observadores nacionais às eleições gerais de quarta-feira e precaveu-se, enviando toda a documentação a tempo e horas, para que não ficasse sem a imprescindível credenciação. No total, Avisto Bota esperou três semanas pela conclusão do processo burocrático. Por outro lado, só 24 dos 40 activistas que pediram credenciais foram acreditados. E mais grave, diz: há casos de pessoas de Benguela já acreditadas que só vão poder observar no Bengo (arredores de Luanda, a mais de 500 quilómetros). "Pretendíamos controlar quase todas as assembleias ao nível de Benguela, mas isso não será possível porque não fomos todos credenciados. Os nossos 24 vão ficar concentrados nos centros das cidades, porque não temos possibilidade de ir aos locais mais distantes", explicou.

A OMUNGA está integrada, por sua vez, numa plataforma de ONG chamada Observatório Eleitoral Angolano, que canalizará em conjunto as queixas reportadas. Este grupo terá uma quota total (definida pelo parlamento angolano) de 500 observadores nacionais, enquanto outras organizações - como o Conselho Nacional da Juventude (CNJ), afiliada do MPLA, e várias igrejas – têm entre 300 e 375 credenciais. Em resposta a estas críticas, a CNE remeteu para os candidatos a observadores a responsabilidade pelos atrasos, com mau preenchimento dos formulários, ausência de assinaturas dos próprios requerentes ou documentação de identificação pessoal caducada.

Para o dirigente da OPSA Sérgio Calundungo, a própria campanha eleitoral reflecte o desequilíbrio do processo. Na segunda-feira, um grupo de voluntários concluiu que quase 85% do tempo dedicado pelas televisões e rádios angolanas à cobertura da campanha eleitoral do último mês foi ocupado pelo MPLA e Governo. “Nós vamos celebrar umas eleições, nas quais o acesso e a exposição aos media por parte dos candidatos foi altamente discriminatória. Mas os observadores não vão olhar isso, eles vão ver os aspectos de curta duração”, explica o dirigente do OPSA. “Normalmente, os itens a serem observados centram-se muito em saber se havia assembleia de voto, se as pessoas não foram coagidas durante o voto”, mas “ninguém vai falar da desproporção que havia do ponto de vista da utilização dos meios do Estado”.

No final das eleições em África, é costume alguém dizer “de acordo com os padrões africanos elas foram justas e livres”. Mas “por que é que tem que haver um padrão africano de eleições justas e livres, diferentes do padrão europeu, asiático ou de outras partes do mundo?” – questiona.

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