Aldeias de Lisboa
Em cada aldeia se encontra a anterior e a seguinte. Só parecem diferentes durante um bocadinho — mas é o bocadinho que mais interessa.
Vamos a uma parte de Lisboa onde nunca estivemos antes. Parece estranha e inconhecível, perdida na grandeza da cidade. Em que raio de sítio é que estamos? Mas o que é que estamos ali a fazer?
Não dura cinco minutos esta alienação. Há um morador que nos dá os bons dias. Outro está a contar uma peripécia e faz o favor de nos incluir no auditório, chegando ao ponto de solicitar a nossa reacção.
De repente, deixamos de estar perdidos. O bairro desaparece e Lisboa encolhe-se para nos receber, tornando-se numa aldeia outra vez: uma de milhares, nem maior nem mais pequena do que as outras.
Quando nos vê devolver os copos e as garrafas, o homem do café, que parecia tão desconfiado e distante, abre-se num sorriso espectacular, com uma gratidão que merecia muito mais: "Escusava... ó!... por amor de Deus... é para isso que eu aqui estou, então?..."
Pode-se parar em qualquer sítio. Por muito movimentado que pareça, acabará por parar consigo. A agitação é apenas superficial. O que ressalta é o que fica: a verdade humana, o drama existencial que a rotina desastradamente tenta esconder: o trabalho, a passagem do tempo, o tédio da repetição, a distracção de uma cara nova, a frescura de uma opinião desconcertante e a consciência da mesma falta quotidiana de magia, aberrante por baixo dos baixos salamaleques da prestidigitação que toda a gente pratica e reconhece.
Em cada aldeia se encontra a anterior e a seguinte. Só parecem diferentes durante um bocadinho — mas é o bocadinho que mais interessa.