Olha o foguete do Pamplinas

O primeiro filme-concerto do Curtas Vila do Conde foi um clássico do mudo (Pamplinas Maquininista, de Buster Keaton) com orquestra ao vivo. Só é pena que a música não fosse mais inspirada

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O filme de 1926 é, literalmente, imparável e quase não precisava de música DR

De The General (Pamplinas Maquinista) reza a história ser o filme de que o seu autor se sentia mais orgulhoso - mas também que terá sido uma das produções mais caras de sempre do cinema mudo americano, que não recuperou nas bilheteiras o quase milhão de dólares que custou a filmar. É, no entanto, um daqueles casos em que o juízo da história veio provar erradas as opiniões da altura e dar a The General a sua verdadeira dimensão de clássico.

A “grande perseguição de locomotivas” que Buster Keaton, um dos mestres da comédia muda, e o seu colaborador Clyde Bruckman encenaram inteiramente em exteriores do Oregon baseava-se num episódio real da Guerra Civil Americana, aliás celebrizado com essa precisa designação de “grande perseguição”. O episódio de heroísmo militar transforma-se num metronómico exercício de relojoaria misto de comédia de enganos, sobre um maquinista bem-intencionado mas distraído (Keaton) cuja devoção à sua locomotiva (e, em menor escala, à sua amada) o atira para o coração das hostilidades entre Norte e Sul.

The General é, literalmente, imparável: Keaton e os seus colaboradores limitam ao máximo toda a acção que não se passe no comboio para construirem uma máquina de gagues em movimento e em constante fuga para a frente, como uma bola de neve que vai ganhando força e tamanho à medida que cai pela montanha abaixo. Tudo é coreografado em absoluta perfeição, tanto mais espantoso quanto, sim, eram comboios em movimento com actores e duplos e figurantes a bordo.

Só depois é que nos bate que este filme com quase um século em cima - é de 1926 - tem mais energia nos seus 80 minutos do que a grande maioria da produção corrente combinada, sem deixar de ser absolutamente exemplar das virtudes clássicas da imagem em movimento que parecem ter sido grandemente esquecidas. A acção é sempre legível sem precisar de diálogos, o encadeamento e o agenciamento dos planos é sempre pensado em função da narrativa, os efeitos nunca se sobrepõem à história mas decorrem dela.

Este Sábado, num Teatro Municipal de Vila do Conde com assistência preenchendo dois terços da lotação, percebeu-se que a música, aqui, quase não era precisa. E, de facto, a única nota menos desta primeira sessão Stereo do Curtas Vila do Conde é que o empenho e a precisão das duas dezenas de músicos da Atlantic Coast Orchestra, sob a batuta de Luís Clemente, não chegaram para compensar a banalidade puramente funcional da partitura do americano Andrew E. Simpson. Com meia-dúzia de outras partituras existentes (do grande mestre do género, Carl Davis, ao estilista japonês Joe Hisaishi), e com a tradição que o Curtas tem de propor leituras inesperadas, ainda por cima numa estreia no festival (é a primeira vez que o evento recebe uma orquestra), é pena que se tenha optado por algo de puramente ilustrativo. Mas um grande filme em grande écrã, com uma orquestra a acompanhá-lo, nunca se recusa - e isso compensou a menor inspiração do trabalho de Simpson.

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