E se aproveitássemos a fruta que cresce nas nossas ruas?

Projecto pensado por Sofia Lage quer dar um destino responsável à fruta que cresce nas árvores localizadas em sítios públicos e pôr fim ao desperdício. O Fruta de Rua está em votação para o Orçamento Participativo Portugal até Setembro

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Há vários anos que Sofia Lage tem “uma irritação”: por que razão a fruta comestível que cresce nos espaços públicos não é aproveitada? Esta questão acompanha-a desde que, em Coimbra, via ameixas a cair de maduras na rua, sem qualquer tipo de utilidade. Achava que era “um disparate não se aproveitar esta fruta para alimentar quem não tem”. Anos mais tarde mudou-se para o Porto, mas a paisagem da janela manteve-se — mais fruta a cair no passeio e na rua, desperdiçada. Na abertura das candidaturas ao Orçamento Participativo Portugal (OPP) viu a oportunidade perfeita para esquematizar uma ideia antiga — a da criação de um projecto contra o desperdício das árvores de fruto públicas — e o Fruta de Rua está em votação até 10 de Setembro.

Filha de agrónomos e natural de Valpaços, em Trás-os-Montes, Sofia Lage, de 45 anos, sempre foi sensível ao desperdício alimentar — estas "inquietações" estão no seu ADN. É fã de projectos como o Fruta Feia e acredita que as autarquias devem ter um papel (muito) mais activo na gestão das árvores de fruto localizadas em vias e jardins públicos. Chegou a enviar um e-mail à Câmara Municipal do Porto a propor o encaminhamento desta fruta para associações, mas nunca obteve uma resposta. “O que a Câmara faz é apanhar a fruta ainda verde para que esta não caia nas ruas. Como se evita o desperdício assim?”, questiona. E o que acontece a essa fruta que não chega a amadurecer nas árvores?

O Fruta de Rua é um dos 599 projectos do OPP que passaram à fase final de votação online. Em cima da mesa estão três milhões de euros para investir nas áreas da cultura, ciência, agricultura e educação e formação de adultos, em Portugal Continental, e justiça e administração interna nos Açores e na Madeira. Os participantes disponibilizam as ideias e submetem-nas à aprovação dos cidadãos e do Governo. Os projectos serão, depois, operacionalizados pelas entidades competentes — no caso do Fruta de Rua, a execução ficaria a cargo das câmaras municipais, “quem tem a tutela destas árvores e arbustos”, explica Sofia Lage ao P3. De abrangência nacional, o projecto desta museóloga e gestora de projectos de empreendedorismo social é “uma ideia virtuosa”. O importante, considera, é haver “cada vez mais pessoas com noção de que [isto] pode ser útil”. Para as cidades, sim, mas, sobretudo, para associações e pessoas que desenvolvam projectos no âmbito do empreendedorismo social.

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Chloe Ridgway/Unsplash

O primeiro passo neste combate ao desperdício de fruta seria o mapeamento das árvores presentes em terrenos públicos ou pomares de instituições que queiram ser incluídos, logo seguido da criação de tipologias de frutos. Isto para que se pudesse criar um “calendário de apanha”: frutos diferentes têm janelas temporais de apanha diferentes. Com base nesse cronograma, exemplifica Sofia Lage, “as associações saberiam que num certo período haveria apanha e concorreriam”. A fruta seria encaminhada para consumo ou transformada em doces ou outros produtos, por exemplo, gerando receitas para as instituições envolvidas.

Uma vez que estas árvores são muitas vezes localizadas em vias com trânsito — e, por isso, com possibilidade de apresentarem alto teor de materiais pesados provenientes da poluição —, caberia às câmaras municipais o controlo e análise químicos. “Quem melhor do que os gabinetes das câmaras, com especialistas e agrónomos, para fazer essa articulação?”

O Fruta de Rua não é o único projecto português contra o desperdício da fruta que cresce em locais públicos. Embora com um âmbito local, o Muita Fruta quer cuidar das árvores da cidade de Lisboa e “colher e distribuir os frutos por quem precisa”. Fundado por Adriana Freire, da Cozinha Popular de Lisboa, foi apresentado no início de 2017 depois de ter sido escolhido para receber apoio do programa Bip/Zip. Na página do Muita Fruta já é possível consultar um mapa interactivo com as árvores identificadas em Lisboa e qualquer pessoa pode adicionar uma nova. Até agora já foram colhidos 300 quilogramas de fruta e criados cinco produtos com o selo Muita Fruta, um dos objectivos do projecto que quer “colocar Lisboa no mapa-mundo da fruta”.

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