Obras garantem temperaturas mais amenas no Eixo Central de Lisboa

A existência de mais árvores e relvados no Eixo Central tornou este troço da cidade de Lisboa mais fresco e húmido no Verão, concluiu uma investigação da Universidade Nova. Este tipo de simulação abre portas para que as autarquias meçam o impacto real das suas empreitadas em microclimas urbanos.

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A escolha deste troço do Eixo Central como objecto de estudo “não foi inocente”, adianta José António Tenedório

Para já, é provável que ainda não se sinta por completo o impacto que as obras de requalificação e arborização do Eixo Central lisboeta tiveram no microclima desta zona da cidade. Mas assim que as árvores e arbustos atingirem o seu pleno desenvolvimento, vai-se notar que a Praça Duque de Saldanha e Avenida da República estão mais frescas e mais húmidas no Verão.

As conclusões são do estudo de Modelagem do Conforto Térmico Urbano que avaliou o impacto da requalificação urbana do Saldanha e Avenida da República, desenvolvido por dois investigadores do CICS.NOVA - Centro de Investigação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, José António Tenedório e Teresa Santos, e Caio Frederico e Silva, da Universidade de Brasília. Segundos os autores, a intervenção neste eixo permite que, num dia típico de Agosto, a temperatura local seja três graus Celsius mais baixa de manhã e à tarde, que haja um aumento de 10% da humidade relativa e uma redução de um metro por segundo na velocidade do vento relativamente àquilo que era o microclima desta zona da cidade antes das obras.

Para já, os efeitos são ténues: “Em vez de termos uma diminuição da temperatura em três graus Celsius, devemos sentir menos um ou dois graus”, explicou ao PÚBLICO José António Tenedório.

Depois de nove meses de obras, que terminaram em meados de Janeiro, o Eixo Central tem hoje passeios mais largos e ciclovias em ambos os sentidos. Com a requalificação feita pela câmara de Lisboa naquela que é uma das principais vias rodoviárias de cidade, há mais espaços verdes, quer pelo aumento do número de árvores, quer das zonas de relva. É esta a principal razão para o clima ali ser, agora, mais ameno.

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Cenário antes e depois de requalificação simulados no programa ENVI-met CICS.NOVA

“A lógica é simples: às vezes, na cidade, temos a sensação de aridez, de calor excessivo, a que os estudiosos chamam Urban Heat Island [ilha de calor urbana]. Nessas alturas, vamos para uma área ajardinada por ser mais fresco”, expõe o investigador. De facto, a vegetação contribui para alterar o clima urbano, por produzir sombra, evapo-transpiração (evaporação da água do solo e, no caso das plantas, perda de água por transpiração) e permitir a canalização do vento. “Isto é empírico. Mas não há estudos que meçam estas alterações e a forma como obras como esta podem melhorar o conforto urbano”, prossegue.

Os autores usam o conceito de “conforto urbano” para se referirem “à sensação de melhor estar na cidade, na via pública”, clarifica José António Tenedório, também membro do Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional (e-GEO). A diminuição da temperatura e aumento da humidade no Verão contribuem para isso, acrescenta.

Passar o testemunho às autarquias

Para chegar a estes resultados, os investigadores usaram o programa ENVI-met, um modelo de microclima 3D, para simular as interacções superfície-planta-ar neste microclima urbano antes e depois da requalificação. A ideia era analisar as áreas da Praça Duque de Saldanha e Avenida da República, mas, devido às limitações do software, apenas uma parte foi tida em consideração: a praça e os primeiros dois quarteirões da avenida.

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Estudo analisou as alterações ocorridas na praça do Saldanha e nos primeiros dois quarteirões da avenida da República CICS.NOVA

Através das imagens de satélite, os investigadores desenharam os edifícios e ruas antes e depois da intervenção. Foi feita uma caracterização climática de Lisboa durante o período de Verão e o software calculou as alterações que a substituição de alcatrão por vegetação produziria em variáveis como a velocidade e direcção do vento, temperatura do ar e humidade, turbulência, intensidade de radiação, entre outras.

Os investigadores perceberam ainda que há bastante mais vegetação neste troço da cidade: antes das obras, as zonas verdes correspondiam a 12% da área, enquanto no cenário actual ocupam 38%. Além disso, a calçada no primeiro cenário cobria 13% do espaço e cobre 18% no segundo.

A escolha deste troço do Eixo Central como objecto de estudo “não foi inocente”, adianta José António Tenedório. Para além de ser uma obra recente, cujos dados são de acesso público, “este tipo de estudo pode despertar a curiosidade de outros municípios”. Aos investigadores interessa que seja feito este tipo de análises noutras zonas, de forma a munirem-se de dados que permitam perceber qual o impacto real das empreitadas em microclimas urbanos e de que forma é que estas intervenções podem ajudar a menorizar os efeitos das alterações climáticas. 

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