O Porto visto por um canudo

O Porto está a aburguesar-se. Sobe de escalão e está a tornar-se um fidalgo, dêem-lhe lá a definição que quiserem

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@kitato

O Porto vive uma época de grande deslumbramento: os sinais estão por toda a parte, com hotéis, hostels, alojamentos locais, quartos e vãos de escada a servirem de albergue para turista ficar. Enchem-nos as ruas e atestam os negócios de restaurantes, taskas (ah!, como gosto eu de tasKas), snack-bares e roulottes, casas de tapas very tipical, cenas gourmet e gourmet com cenas. O Porto anda deslumbrado consigo próprio, com o que lhe tem caído aos pés nestes tempos de autêntica Fortuna. Os cartazes de rua até gritam “a Baixa em boa forma”! Ele é animação de rua, ele é festas para todos os gostos, feitios e carteiras. O Porto está a assumir a sua condição de burguês (parêntesis para esclarecer que dicionários como os da Porto Editora definem burguês como “habitante de burgo; pessoa da classe média; pessoa de haveres, mas pouco delicado”. O Porto está a aburguesar-se.

No balanço final do NOS Primavera Sound, a Câmara do Porto publicou os números do festival, citando a organização: perto de 90 mil espectadores, primeiro lugar no top dos festivais mais ecológicos, cerca de 50 por cento de espectadores estrangeiros. E, continua, “as estatísticas da organização afirmam que a esmagadora maioria tem níveis de escolaridade e profissionais elevados”. Espera aí! “A esmagadora maioria tem níveis de escolaridade e profissionais elevados”? O que significa exactamente isto? Que é um orgulho receber malta que sabe ler e escrever? Que os iletrados como eu são bem-vindos… até à porta? E se houvesse um número interessante de gente com a quarta classe a ver o festival? Também seria notícia? No mínimo, é uma atitude presunçosa, que merece revisão.

Mas falando ainda do Porto-cidade, há, de facto, um certo deslumbramento com as ruas e com os estabelecimentos de hotelaria e restauração à pinha. Ainda não chegamos ao ponto de ebulição em que Lisboa se encontra, mas há sinais que começam a ser preocupantes, com os responsáveis da Câmara a parecerem mais ocupados com festarolas, do que propriamente com a vida diária dos “seus” cidadãos.

A observação não é minha (é do amigo António Moura), que fique registado, e concordo com ela em absoluto: é uma boa medida recuperar a Avenida da Boavista, que “vai conviver com a ribeira de Aldoar em 700 metros e receber 213 novas árvores”. “Mas sugiro também que a Câmara comece a olhar com atenção para o espaço público – negligenciado (a Praça da República, por exemplo, está uma vergonha) – e [para] o mobiliário urbano – envelhecido, degradado, abandonado e pobre – e para a limpeza urbana.”

Não basta ter a cidade de portas abertas aos turistas. Não basta encher a Baixa com concertos, apitos e concertinas para fazer do Porto uma cidade boa. Mas boa para quem? Há gente que precisa do Porto para viver. Os exemplos começam a ser mais que muitos. Como é o caso do Centro Social e Paroquial de Miragaia, cujos responsáveis técnicos dizem-se pressionados a sair do Centro Histórico por causa da pressão imobiliária. A Câmara do Porto não tem responsabilidade directa no assunto, mas aguarda-se que possa ter uma palavra pública a dizer, já que a paróquia não tem dinheiro e a Diocese lava as mãos como Pilatos.

O Porto está a aburguesar-se. Sobe de escalão e está a tornar-se um fidalgo, dêem-lhe lá a definição que quiserem. Um dia, ainda o vemos por um canudo.

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