António Mexia sob pressão dos mercados

O presidente da EDP vai falar pela primeira vez sobre a investigação em que foi constituído arguido. A EDP arrisca-se a sofrer danos reputacionais e uma eventual reformulação da equipa de gestão, dizem os analistas.

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Mexia está à frente da EDP desde 2006 Daniel Rocha

Esta manhã, a administração da EDP deverá concentrar-se em torno do líder, António Mexia, enquanto este dá explicações à imprensa sobre os motivos que levaram um Procurador da República e vários inspectores da Polícia Judiciária (PJ) a deslocar-se à sede da empresa na sexta-feira e a constituí-lo como arguido por suspeitas de corrupção.

Ontem foi dia dos advogados da EDP consultarem o processo, segundo explicou a eléctrica num comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), mas foi também um dia em que os investidores castigaram as acções da EDP, que fecharam a desvalorizar-se 2% na bolsa de Lisboa, para 3,116 euros, depois de terem estado a cair cerca de 4% ao longo dia.

As suspeitas que pairam sobre Mexia (e sobre os restantes arguidos, entre eles o presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto) envolvem os “crimes de corrupção activa, corrupção passiva e participação económica em negócio”. E podem ser o suficiente, segundo o BiG – Banco de Investimento Global, para forçar mexidas na gestão do grupo EDP.

“Para já, o principal impacto é em termos de corporate governance, não em termos operacionais”, afirmaram os analistas do banco numa nota citada pela Reuters. “É muito negativo em termos de corporate governance ter dois executivos de topo, tanto na EDPR e EDP, constituídos arguidos”, considera a equipa de research do BiG.

Se se vier a provar que é necessária “a reformulação da equipa executiva”, aí sim, o risco poderá passar a ser também operacional, admitem. A eventual saída de Mexia “dependerá acima de tudo do apoio accionista”, frisa o BiG. A forma como a China Three Gorges, que tem 21,35% da EDP, “olha para a situação” e a decisão de manter ou não apoio a António Mexia (à frente da EDP desde 2006) e à actual gestão serão questões chave.

Os impactos negativos para a EDP desta investigação do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) aos contratos conhecidos como CMEC e o alargamento do prazo de exploração de três dezenas de barragens (com receitas garantidas por mais tempo) também são uma certeza para o analista do Haitong Bank, Jorge Guimarães. O motivo “mais óbvio” diz respeito à governação da empresa, pois ter gestores de topo “investigados por possível corrupção nunca é positivo”, afirmou numa nota citada pelo Negócios.

Por outro lado, diz o analista, corre-se o risco de que a equipa de gestão da EDP “perca o foco no desenrolar deste processo”. Além de que para os investidores poderá pesar ainda a “possibilidade de a empresa ser forçada a dar algum tipo de compensação pelos ganhos excessivos no passado devido ao valor final atribuído aos CMEC”. Este é, no entanto, um cenário “pouco provável”, admite o Haitong.

A investigação que na sexta-feira levou à realização de buscas nas sedes da EDP, da REN e da consultora Boston Consulting Group abrange o período entre 2004 e 2014. A PJ está a investigar não só os “factos subsequentes ao processo legislativo” que substituiu os Contratos de Aquisição de Energia (CAE) pelos CMEC (o decreto-lei foi aprovado no final de 2004), mas também “os procedimentos administrativos relativos à introdução no sector eléctrico nacional” destes contratos de rendas garantidas.

Todo este processo foi conduzido por Manuel Pinho, antigo ministro da Economia de José Sócrates, que chegou a ter como assessor do seu gabinete o administrador da REN João Faria Conceição, que também foi constituído arguido na sexta-feira (a par de Pedro Furtado, director da REN que veio da antiga Transgás).

Antes de chegar ao Governo, Conceição foi durante vários anos consultor na Boston Consulting, um grupo que assessorou o Estado nos negócios relacionados com a energia – inclusive no decreto-lei que ditou o fim dos CAE e a criação dos CMEC.

Sem uma única palavra sobre o estatuto de arguido dos seus quadros, a REN veio assegurar durante a noite de sexta-feira, em comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que não era arguida e estava a colaborar com as autoridades. Já a EDP, optou antes por um comunicado de imprensa no qual, sem referir nomes, assegurou apenas que “foram constituídos como arguidos os representantes da EDP que, à data, assinaram os contratos” dos CMEC e das barragens.

Ontem, depois de as acções já levarem um tombo de 4%, a EDP veio repetir ao mercado a informação que tinha dado à imprensa na sexta-feira, com uma novidade, a da realização da conferência desta terça-feira.

OPA à Renováveis fica em casa

A intenção de lançar uma OPA sobre os 22,5% que a EDP ainda não detém na EDP Renováveis foi anunciada no final de Março, mas, por enquanto, não há data prevista o registo da oferta. Fonte oficial da CMVM explicou ao PÚBLICO que o facto de a Renováveis ser uma empresa de direito espanhol “gerou um conflito de jurisdições” e foi preciso chegar a entendimento com o regulador espanhol, a CNMV, sobre quem supervisionaria a operação.

Desse diálogo ficou decidido que a jurisdição da OPA caberá à CMVM, pelo que “terá de ficar muito claro no prospecto” que a operação se desenrolará ao abrigo da lei portuguesa, explicou.

Por isso, não é possível apontar uma data para o registo, “tudo dependerá da estabilização do prospecto”. Sobre a investigação em curso, a mesma fonte diz que não deverá ter influência sobre o prospecto, mas notou que a CMVM acompanhará o tema.

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