Uma ministra debaixo de fogo

Só os polícias têm manifestação com dia marcado. Mas outras forças ameaçam seguir pelo mesmo caminho.

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LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Nem todas as reclamações das entidades tuteladas por Constança Urbano de Sousa têm a ver com aspectos materiais. Também há queixas de desconsideração decorrentes de declarações dos actuais responsáveis pelo Ministério da Administração Interna.

PSP faz manifestação dia 28

“As coisas estão a correr bem”, ironiza o presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, Paulo Rodrigues. “Estamos a meio do ano e os concursos para promoções na polícia ainda não estão concluídos. Resultado: há dois novos postos que não têm ninguém lá colocado...”

O dirigente enumera outras razões que vão fazer os agentes sair à rua no dia 28, numa manifestação nacional, em Lisboa: a lista dos agentes em condições de pré-aposentação, que tenham cumprido pelo menos 36 anos de serviço e tenham mais de 55 anos ainda não foi publicada; há mais de mil agentes na reforma que recebem menos do que deviam devido a uma deficiência na lei; ao contrário dos colegas da Judiciária, os agentes da PSP continuam sem subsídio de risco — muito embora recebam um suplemento de 20% do ordenado que se destina entre outras coisas a compensar os riscos acrescidos da profissão. E caíram mal as declarações da ministra por altura da visita do Papa, quando sugeriu que os agentes queriam ser alojados em hotéis de cinco estrelas.

Guardas viraram as costas à ministra

Num protesto inédito três dezenas de militares da GNR deixaram bem patente o seu descontentamento quando, há um mês, viraram as costas à ministra da Administração Interna durante uma cerimónia junto ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa. Centenas de colegas seus, fardados, perfilavam-se ao longo da fachada do monumento, enquanto César Nogueira e outros dirigentes da Associação dos Profissionais da Guarda, de T-shirts pretas vestidas, descreviam aos jornalistas um quotidiano feito de falta de veículos, de falta de coletes à prova de bala e de algemas. E nalguns postos até de casas de banho.

À crónica escassez de meios humanos no terreno junta-se o problema das carreiras há muitos anos congeladas. O facto de Constança Urbano de Sousa ter conseguido aquilo que os guardas reivindicavam há muitos anos — a fixação de um horário de trabalho — não foi suficiente para, no passado dia 24 de Maio, centenas de homens se terem manifestado na rua contra o novo estatuto profissional, gritando: “Costa escuta, a GNR está em luta”.

SEF não descarta protesto

Os homens e mulheres que trabalham para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) “não descartam nenhuma possibilidade de protesto” perante as condições de trabalho a que estão sujeitos, assegura o dirigente sindical Acácio Pereira. Pelas suas contas, cada inspector de serviço ao aeroporto teve de controlar 43 mil passageiros no ano passado.

“Pior do que isto só escravatura”, diz o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que aponta ainda um parque informático “parado no tempo” e uma frota automóvel “velha e em parte desgastada” como sintomas de que algo vai mal no reino de Constança Urbano de Sousa.

Mas o que abespinhou realmente os dirigentes sindicais foram as recentes declarações da governante sobre o funcionamento do SEF, que acusou de ter uma estrutura pesada e uma gestão inflexível. “Deu uma triste imagem de si própria”, criticou o sindicato. “Se fala assim de um corpo de 750 inspectores que desempenha um conjunto imenso de competências, o que deveria dizer de forças como a GNR e a PSP às quais, por mero receio táctico de contestação, tem cedido privilégios atrás de privilégios?”

Bombeiros menos exaltados

A descida no financiamento para 2017, que afectou 210 corporações de bombeiros, por um lado, e a recusa de aumentar as comparticipações previstas no âmbito do Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios Florestais, por outro, incendiaram os ânimos dos bombeiros voluntários, a ponto de alguns corpos e associações terem avisado que não estariam em condições de actuar no combate aos incêndios fora dos respectivos limites geográficos.

Para piorar o cenário, o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, referiu-se, em diferentes palcos, aos bombeiros voluntários de uma forma que semeou a contestação e levou vários corpos, entre ameaças de boicote às comemorações do Dia do Bombeiro e entrega de petições no Parlamento, a exigir-lhe um pedido de desculpas público. Em causa estavam insinuações de amadorismo e intervenções que poderiam levar a pensar que cada bombeiro voluntário destacado para o combate aos fogos encaixaria no final do mês à volta de 1350 euros, o que só seria verdade se um voluntário estivesse destacado 24 horas por dia, durante 30 dias seguidos.

Que se saiba, o governante não chegou a pedir desculpas. Mas depois de Marcelo Rebelo de Sousa se ter referido aos bombeiros como “os melhores do mundo”, a intervenção da ministra da tutela ajudou a serenar os ânimos. Na terça-feira, Constança Urbano de Sousa e Jorge Gomes reuniram-se com a Liga dos Bombeiros Portugueses e concordaram incumbir dois grupos de trabalho de apresentar uma proposta de revisão da lei de financiamento, para “corrigir alguns desajustamentos”, bem como para operacionalizar a criação do Cartão Social do Bombeiro — que congregará diversos benefícios sociais como a consideração com bónus do tempo de serviço para a contagem da reforma.

A ministra comprometeu-se ainda a reforçar a compensação dos bombeiros que integram o dispositivo especial de combate a incêndios em 2018, admitindo conceder-lhes uma compensação extraordinária já em 2017. Actualmente, cada bombeiro recebe à volta de 1,89 euros por hora de combate às chamas. As promessas bastaram para, pelo menos por enquanto, acalmar a contestação.

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