A ministra contestada está solid as a rock

Criticada pelas forças de segurança e pelos bombeiros, a ministra da Administração Interna tem a confiança do primeiro-ministro, com quem trabalhou precisamente no MAI.

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Constança Urbano de Sousa Daniel Rocha

"Solid as a rock" é uma expressão que veste bem em Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna. Não só do ponto de vista da solidez da sua personalidade e do seu perfil profissional e preparação técnica e intelectual para o cargo, mas também porque a sua posição no Governo é sólida e ela goza da confiança política do primeiro-ministro, António Costa.

Aos olhos da opinião pública, a ministra da Administração Interna tutela um Ministério que foi alvo do segundo dos dois vetos do Presidente da República a diplomas do Governo: o do Estatuto da Guarda Nacional Republicana (GNR) — o primeiro foi a lei do sigilo bancário. O "não" de Belém mostrou o Presidente a tomar partido na guerra aberta por esta proposta entre a Administração Interna e a Defesa.

Marcelo Rebelo de Sousa opôs-se à norma do Estatuto da GNR em que era reconhecido o direito à promoção a brigadeiro-general por parte dos oficiais daquela força de segurança que, sem formação militar específica, apenas têm direito a ascender até ao posto de coronel. A situação atinge oficiais da GNR mais antigos, perto de passar à reserva de pré-aposentação, razão pela qual o Governo não voltará a insistir na medida, apesar de ela ser cara a Costa, que em 2007, quando ocupava a pasta, a viu vetada por Cavaco Silva.

Limites da paz

Por outro lado, Constança surge como o membro do Governo que mais contestado tem sido pelos sectores que tutela, ainda que ninguém tenha ainda pedido a sua demissão. Em relação aos seus pares de Conselho de Ministros, Constança parece debaixo de fogo, num momento político em que a aliança parlamentar da maioria de esquerda esvaziou o protesto antigoverno das ruas e a paz social parece imperar.

Ora quando a CGTP faz manifestações e greves cirúrgicas para pressionar as negociações do Orçamento do Estado e em ano de autárquicas, as reivindicações das forças de segurança e dos bombeiros surgem, pela sua continuidade, transformadas em vedetas do protesto.

A questão sindical no Ministério da Administração Interna (MAI) é específica. A defesa dos direitos dos agentes é feita por organizações cujo perfil de actuação muitas vezes roça o corporativismo. A GNR pode ter apenas associações. Já na PSP há uma multiplicação crescente de sindicatos (actualmente são 15) e de dirigentes. O Governo tem uma proposta de lei para rever o sindicalismo na polícia parada no Parlamento à espera de ser negociada com o PSD.

Até agora, em termos de contestação de rua, Constança foi alvo de uma manifestação da GNR em Abril, com duas centenas de manifestantes, e no aniversário da GNR, quando discursava 30 agentes vestidos de preto viraram-lhe as costas. Isto além da contestação por parte dos bombeiros, como aconteceu no domingo passado nas cerimónias do Dia Nacional do Bombeiro. Longe vai o tempo em que os polícias em protesto, depois de atirarem pedras da calçada, romperam o cordão de segurança e galgaram as escadarias da Assembleia da República.

A confiança de Costa

Em qualquer Governo, a Administração Interna é uma das pastas mais sensíveis, precisamente porque mexe com a soberania e tutela a protecção civil (bombeiros) e as forças de segurança (Polícia de Segurança Pública, GNR e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras). No Governo de Costa, Constança é um dos pilares de sustentação do primeiro-ministro, ao lado de figuras como Mário Centeno, Maria Manuel Leitão Marques, Eduardo Cabrita, Pedro Marques, Vieira da Silva e Augusto Santos Silva.

Costa tem nela toda a confiança política e uma relação profissional e pessoal antiga. Escolheu-a para um ministério que ele mesmo ocupou entre 2005 e 2007 e cuja dificuldade de gestão viveu na pele. Trata-se de uma aposta pessoal, em alguém que considera capaz de dar conta do recado do ponto de vista da especificidade da área.

Aliás, a escolha de Constança para esta pasta foi feita muito antes das legislativas de 2015. Ela surgiu nas listas eleitorais como 16.ª candidata do PS pelo círculo do Porto por indicação do líder socialista — um lugar que à partida seria de eleição garantida —, depois de ter estado indicada para a lista de Setúbal. Na altura, a intenção de Costa não era a de que Constança se sentasse no Parlamento. Era já a de que, aos 48 anos, ocupasse o lugar para o qual se especializou ao longo de duas décadas e em que fez carreira também trabalhando consigo.

No MAI foi assessora jurídica de Severiano Teixeira (2000/02) antes de o ser de Costa, que em 2006 a destaca em nome do ministério para a Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (Reper), onde foi conselheira e coordenadora da Unidade Justiça e Assuntos Internos. É, assim, uma conhecedora de assuntos europeus na área da Segurança e especialista em Migrações. Foi também, durante as duas últimas décadas, professora de quase todos os actuais oficiais da PSP, no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna.

A proximidade e confiança política de Costa estendem-se aos dois secretários de Estado, cuja nomeação foi acordada com a ministra. Isabel Oneto e Jorge Gomes foram governadores civis, respectivamente no Porto e em Bragança, nomeados por Costa em 2005 e eram à época considerados mesmo pelos seus pares como "o sindicato" de defesa do então ministro.

Acresce que Oneto e Costa conhecem-se desde sempre no PS e foi ele que providenciou para que ela subisse na lista eleitoral do Porto ao 12.º lugar em 2015. Até irem para o Governo, Gomes foi o secretário nacional do PS responsável pela organização, quando Costa foi eleito secretário-geral do partido em 2014.

À solidez da sua relação política com o primeiro-ministro, Constança soma a solidez que manifesta na gestão do MAI, apesar da contestação.

Membros do Governo e quem a conhece caracterizam-na como alguém que tem saber, autoridade, carisma e pulso. É vista como uma pessoa discreta, genuína, frontal, determinada, que sabe o que quer, que não tem paninhos quentes nas reuniões, que diz e faz o que pensa. Em suma, alguém que foge ao perfil padrão de um político e de um governante.

A ausência de calculismo político já lhe criou problemas. Por exemplo, a forma como reagiu às críticas dos agentes às instalações em que ficaram em Fátima. "Naturalmente, o ideal seria alojá-los em hotéis de cinco estrelas, não existem na região, não é possível. Portanto, estão numa situação meramente provisória, extraordinária para uma missão única", disse a ministra, numa tirada politicamente pouco correcta.

Para mais quando, em plena visita do Papa Francisco a Fátima, as forças de segurança davam visibilidade ao seu papel como um dos pilares do sistema de prevenção e combate ao terrorismo, que o MAI partilha com os restantes agentes do sistema de segurança interna, directamente tutelado pelo primeiro-ministro.

A gestão do Ministério é feita de forma própria e com a orientação política que a ministra coordena com o primeiro-ministro. Uma preocupação tem sido tratar todas as forças por igual, acabando com uma imagem de privilégio da GNR. À tensão das relações hierárquicas no MAI acresce o facto de ser de novo uma mulher a tutelar as forças de segurança, cujo universo ainda é masculino.

As chaves dos cofres

Apesar de Portugal ter mais 30% de agentes do que a média europeia, surge como um problema central a falta de efectivos para patrulhamento na PSP, na GNR e no SEF, que rebenta pelas costuras, apesar de estar a decorrer um concurso dentro da administração pública para 45 inspectores, o terceiro desde que este Governo está em funções, tendo o primeiro sido aberto ainda pelo anterior executivo.

A resolução da falta de efectivos para patrulhamento passa pela reorganização. Quanto a novas contratações, elas não dependem exclusivamente da ministra. As admissões estão fechadas na administração pública e as forças de segurança não podem contratar trabalhadores precários, já que se trata de carreiras que obrigam a formação específica. Ora, estão na mão do ministro das Finanças as chaves dos cofres do Estado e das regras orçamentais para mais contratações.

A opção política tem sido a de racionalizar a organização, desde os meios aos efectivos. A aposta é a desmaterialização de procedimentos, o que passará por medidas como os agentes deporem por videoconferência nos julgamentos, evitando perderem dias de policiamento para ir aos tribunais, ou a adopção das notificações electrónicas, que diminuirá o trabalho de secretária, ou ainda as escoltas de armas e explosivos deixarem de ser feitas presencialmente por forças de segurança.

O mesmo objectivo esteve por detrás da decisão de fechar as messes da GNR e da PSP e tentar deslocar para o activo de patrulhamento quase 600 efectivos. Muitos desses agentes entraram em pré-aposentação, o que se reflecte, no imediato, em outro lado do problema, pois ficarão durante cinco anos na reserva, recebendo a média dos últimos dois anos de salário, incluído os subsídios. Um mecanismo que dificulta a admissão de novos agentes. As verbas salariais permanecem cativas do pagamento a esses militares, que já não estão no activo, até eles entrarem na reforma. Mas mesmo aqui há um limite. O MAI só pode autorizar 800 pré-aposentações por ano.

A libertação de agentes para patrulhamento é também um dos motivos que levou à decisão de rever a lei sindical dos polícias. Em 2015 houve 32 mil folgas sindicais de agentes e 42 mil em 2016.

Já na gestão de meios a aquisição de viaturas e o investimento em instalações foram facilitados com a aprovação em Março da lei de programação de infra-estruturas e equipamentos das forças e serviços de segurança do MAI. Mas os procedimentos e a libertação de verbas não são céleres.

A reorganização das questões financeiras levaram também a ministra à criação de um grupo de trabalho para rever a lei de financiamento dos bombeiros, aprovada em 2015 pelo Governo de Passos Coelho. Os critérios de distribuição de verbas às corporações então adoptados têm sido contestados e a própria ministra não concorda com eles.

Entretanto, a compra de equipamento pelas corporações de bombeiros ganhou isenções fiscais e foi facilitado o recurso a fundos europeus.

Contudo, a contestação dos bombeiros, sector muito próximo da realidade do poder local, pode aumentar com os incêndios de Verão em ano de eleições autárquicas.

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