Museu do Prado descobre um manuscrito de Goya num desenho sobre a Justiça

"Nem a todos convém a Justiça" é a inscrição que o pintor escreveu no verso de uma imagem intitulada Lux ex tenebris.

Foto
"Legenda" no verso do desenho Lux ex tenebris Museu do Prado

Um título manuscrito por Francisco de Goya (1746-1828) foi descoberto no Museu do Prado, na parte de trás de uma imagem relacionada com a Justiça, informou esta quinta-feira a pinacoteca da instituição madrilena.

O documento, com o título "Nem a todos convém a justiça", foi descoberto no verso de uma imagem relacionada com a Justiça, que estava num álbum coberto por uma folha de papel cor-de-rosa, que ocultava aquela frase desde meados do século XIX, acrescentou o Prado.

A descoberta ocorreu durante os trabalhos de restauro relacionados com a feitura do catálogo raisonné dos desenhos de Goya – catálogo com listagem descritiva e anotada, imagens e documentos de contextualização da obra do artista – para a nova exposição que a Fundação Botín vai inaugurar no novo Centro Botín, em Santander, a 23 de Junho. Uma descoberta que, para o Museu do Prado, se reveste de uma "grande importância para compreender o sentido do desenho e a forma de pensar do autor".

"Este título é um exemplo da capacidade de Goya para interpretar a sociedade do seu tempo, em que as liberdades políticas e a Justiça, promovidas pela Constituição de Cádis [1812], não causaram o mesmo entusiasmo em toda a população", lê-se no comunicado do museu agora divulgado.

"Texto e desenho são também um sinal da importância da obra de Goya, que mantém a actualidade, já que as suas composições são emblemáticas do comportamento e da essência dos seres humanos", acrescenta o texto.

O desenho faz parte do Álbum C, realizado entre os anos da Guerra da Independência e a posterior repressão fernandina. Alguns autores têm, contudo, atrasado os anos finais do Triénio Liberal (1820-1823), alegando que os últimos desenhos podem estar relacionados com a restauração, em 1820, da Constituição de Cádis.

O álbum aborda temas distintos, que vão da vida quotidiana, com a presença de mendigos, até visões oníricas nocturnas.

Um grande grupo de originais é composto por desenhos de condenados pela Inquisição e contém cenas de crueldade nas prisões. Um outro conjunto de desenhos incide na crítica aos costumes das ordens monásticas, na representação da vida dos frades e no processo de secularização após os decretos de desvinculação. Por último, há um conjunto dedicado às liberdades políticas elaborado sob o entusiasmo que provocou a proclamação da Constituição de Cádis. Trata-se do álbum com maior número de desenhos e que está quase intacto, conservando-se no Museu do Prado 120 dos 126 desenhos conhecidos.

O Prado recorda que, "lamentavelmente, este álbum, como os restantes elaborados por Goya, foi desmembrado após a morte do pintor". Foi o seu filho Xavier que ficou encarregado de elaborar os desenhos em três álbuns, "seguramente já com o objectivo de os vender". "E um desses álbuns deu entrada no museu em 1872, proveniente do Museu da Trindade", refere o documento do Prado.

O desenho cujo título foi agora descoberto fazia parte de um álbum encadernado em pele vermelha, com folhas de papel rosa, que continha 186 desenhos variados, provenientes de diferentes álbuns, desde o de Sanlúcar ao de Bordéus, e que o museu espanhol da Trindade adquiriu, em 1866, a Román Garreta y Huerta.

No desenho intitulado Lux ex tenebris (Álbum C 117, D-4086), uma mulher com a Constituição de 1820 nas mãos personifica a Verdade que a todos ilumina contra as forças do Antigo Regime, representadas pelas sombras. Foi na parte de trás deste desenho que se encontrou o novo texto que comenta a ilustração seguinte do álbum: "Nem a todos convém a justiça" (Álbum C 118, D-4084).

Este desenho é o único que não tem título escrito por baixo da imagem, já que a composição cobre toda a folha de papel, motivo pelo qual talvez Goya o tenha escrito nas costas do anterior. O desenho dá conta das reacções que provoca a chegada da Justiça, com a Constituição liberal de Cádis de 1812. Nele, a balança, que resplandece como um sol que ilumina tudo, causa admiração e alegria entre os seus partidários, situados à esquerda, e temor, entre os seus detractores, à direita. 

Sugerir correcção
Comentar