Aliados europeus à espera de um sinal sobre o Artigo 5.º

A cimeira foi delineada para conquistar a simpatia de Donald Trump. Para os europeus, a questão mais importante é a defesa colectiva. Ao contrário de todos os seus antecessores, o Presidente nunca mencionou o Artigo 5.º.

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Na estreia de Donald Trump, Bruxelas é uma cidade fortemente vigiada em dia de cimeira da NATO REUTERS/Christian Hartmann

Se há um objectivo que pode resumir a cimeira da NATO que decorre esta quinta-feira em Bruxelas — a primeira de Donald Trump —, ele diz respeito ao Artigo 5.º do Tratado de Washington, que consagra o compromisso com a defesa colectiva. A durabilidade da Aliança e a sua força assentaram desde a fundação neste compromisso. Todos os presidentes americanos o reafirmaram, mesmo depois do fim da Guerra Fria. O actual Presidente ainda não.

Os aliados europeus sentir-se-iam muito mais tranquilos, se ele decidisse fazê-lo esta quinta-feira. Fizeram tudo o que estava ao seu alcance para receber o Presidente americano da melhor maneira possível e para corresponder às suas exigências. Jens Soltenberg, o norueguês que ocupa o cargo de secretário-geral, compreendeu a dimensão do desafio. Visitou o Presidente na Casa Branca há um mês para saber com o que poderia contar. Obteve uma primeira vitória quando Trump esclareceu, a seu lado, que já não considerava a NATO “obsoleta”.

O alarme dos europeus nasceu precisamente das declarações que fez durante a campanha eleitoral, pondo em causa todos os princípios em que assentou a relação transatlântica desde o pós-guerra. Considerou a NATO como uma aliança “obsoleta”, que já não correspondia ao interesse americano e que só servia para gastar os seus recursos. Aplaudiu o “Brexit”, que é o mesmo que dizer que cortou com o empenho americano na integração europeia desde o fim da guerra. Acusou a Alemanha de se servir da Europa para benefício próprio.

Como Presidente, adoptou um tom um pouco menos radical. Chegou a admitir que não sabia grande coisa sobre a NATO. A missão de Stoltenberg à Casa Branca era perceber o que o seu novo inquilino pretendia da Aliança para deixar de a considerar dispensável. Concluiu que os dois pontos essenciais eram o combate ao terrorismo e o aumento significativo dos orçamentos de defesa dos aliados europeus. Não eram questões novas. Era apenas preciso dar-lhes a ênfase necessária.

A cimeira foi preparada para mostrar ao Presidente que os dois objectivos estavam a ser levados a sério. A coreografia também foi devidamente adaptada. Será uma cimeira sem grandes discursos nem reuniões longas e sem comunicado final, que terá o seu ponto alto num jantar e numa breve cerimónia junto ao Memorial do 11 de Setembro, construído na nova sede da Aliança, que Trump deverá inaugurar. Seria o momento ideal para mencionar finalmente o princípio da defesa colectiva.

Na base dos ferros retorcidos das Torres Gémeas de Nova Iorque está escrito: “O 9/11 e o Artigo 5.º.” O significado desta invocação não é uma questão apenas doutrinal. Na Polónia ou nos países bálticos, mas também em Berlim, Paris e noutras capitais europeias, o Artigo 5.º ganhou uma inesperada dimensão: a Rússia transformou-se numa nova ameaça, desde que ocupou a Crimeia e o Leste da Ucrânia, violando todas as regras internacionais. Foi fácil à Europa articular uma resposta com Obama, que se traduziu em sanções mas também no reforço da presença militar americana e europeia nos países mais vulneráveis, decidida na Cimeira de Varsóvia de 2014. As relações de Donald Trump com Putin (sublinhadas pelas investigações a decorrer em Washington) ameaçam este compromisso. Trump disse várias vezes que Putin era um aliado e não um adversário. A Europa sabe que a dissuasão face a Moscovo só funciona se integrar os Estados Unidos.

Thomas Wright, da Brookings, lembra que Trump é o único Presidente americano desde que a NATO foi fundada que não renovou o seu compromisso com o Artigo 5.º. A ironia, como o memorial recorda, é que a única vez em que este artigo foi invocado foi precisamente para defender os Estados Unidos do ataque do 11 de Setembro. “O facto de Trump não mencionar o Artigo 5.º não é uma distracção”, continua o analista americano. “Membros do seu gabinete tentaram sem qualquer sucesso inscrever esta linguagem nas suas notas, incluindo no encontro com Stoltenberg.”

A Europa vai gastar mais

O clima de pânico gerado durante a campanha foi entretanto atenuado com as visitas a Bruxelas do vice-presidente americano, Mike Pence, e dos chefes do Departamento de Estado, Rex Tillerson, e do Pentágono, James Mattis, que serviu na NATO durante dois anos e declarou que a organização era a sua “segunda casa”. Tillerson reafirmou sem ambiguidade que “o compromisso dos EUA com a NATO é forte e a aliança continua a ser a trave-mestra da segurança transatlântica”. Mike Pence disse a mesma coisa em Munique. Falta a palavra do “comandante-em-chefe” e já se sabe que ele não tem o menor problema em desautorizar os membros do seu staff ou mesmo do seu governo.

Os aliados estão preparados para dar garantias de que vão aumentar as suas despesas militares. Alguns já estão a fazê-lo. Todos se comprometeram com a meta dos 2% do PIB, fixada na cimeira do País de Gales, que deverá ser atingida até 2024. A Alemanha, com um orçamento da defesa de 1,2% do PIB, é o caso decisivo. Angela Merkel já disse que cumpriria este compromisso, contrariando o SPD, seu parceiro de coligação, que prefere um ritmo mais lento. Vale a pena recordar que o burden sharing não é uma particularidade deste Presidente, que se limitou a levá-lo ao extremo. Clinton pediu-o. Obama também. Mas, nessa altura, os europeus fingiram que não ouviam. Estavam descansados sobre a indivisibilidade da segurança transatlântica. Deixaram de estar. “Acima de tudo, os aliados da NATO vão querer assegurar que o compromisso com a Europa é conduzido pela partilha de interesses com a segurança europeia, e não como uma transacção com os europeus como se fossem meros consumidores”, diz Steven Keil, do German Marshall Fund.

Sobre o combate ao terrorismo, tornado tragicamente visível com o atentado de Manchester, a questão é saber como é que uma organização militar como a NATO pode ajudar a combatê-lo com eficácia. Os aliados europeus vão lembrar a Trump que estão quase todos envolvidos na aliança global contra o Daesh liderada pelos Estados Unidos, com a França e o Reino Unido a desempenharem um papel fundamental no Iraque e na Síria. Ontem, Stoltenberg ainda considerava a hipótese de uma participação formal da própria NATO nesta coligação, para sublinhar o seu empenho total. A NATO poderia contribuir com equipamento e com treino, aprendido no Afeganistão, quando teve de lidar com a Al-Qaeda e os taliban.

Nem tudo ficará resolvido, longe disso. Trump traz para a relação transatlântica um clima de imprevisibilidade com o qual é difícil viver. Já provocou mais uma dor de cabeça aos europeus, que estiveram ao lado de Obama na negociação de um acordo nuclear com o Irão. Trump ameaça pô-lo em causa. A NATO sobreviveu ao fim da Guerra Fria, ao unilateralismo de George W. Bush, ao “pivô” de Obama em direcção à Ásia-Pacífico, às intermitentes ilusões europeias de criar a sua própria defesa. Mas nenhum presidente colocou em causa a pedra angular de uma aliança militar que venceu a Guerra Fria sem disparar um tiro. Com 28 membros (passa a 29 com a entrada do Montenegro) e vários candidatos à adesão a baterem-lhe à porta, conseguiu até agora adaptar-se aos novos desafios de segurança de um sistema internacional em acelerada transformação. Mas precisa, como sempre precisou, da América. Falta saber se Trump consegue perceber que também precisa da Europa. 

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