Falar, não ter medo, não proibir

Face a uma tragédia como a do atentado de Manchester é preciso falar com as crianças e os jovens, não correr o risco de os proteger em excesso e, contra o medo e a morte, ensiná-los a dar sentido à vida. Dos fãs de Ariana Grande chegam mensagens de preocupação.

Foto
O público de Ariana Grande é sobretudo composto por crianças e adolescentes LUSA/NIGEL RODDIS

O presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação, Rui Martins, tem duas filhas com nove e 14 anos de idade. Nesta terça-feira à tarde ainda não tinha tido oportunidade de falar com elas sobre o atentado de Manchester, que teve como alvo um público de crianças e adolescentes, que são o público da cantora Ariana Grande, mas sabe o que lhes dirá: “Temos de continuar a nossa vida e tentar sermos melhores.”

Com a mais nova tentará que não veja as imagens do atentado. E também lhes dirá ainda que têm “de estar muito atentas, ser responsáveis e perceber que actos como este não levam a nada”. E se elas quiserem ir a um concerto, vai proibi-las? “Se houver agora um da mesma cantora não sei se não colocaria reservas. Mas sei que não adianta nada fecharmo-nos em casa.”

“Não me imagino a começar uma aula num dia destes e não falar sobre o que aconteceu”, comenta a professora do ensino secundário Isabel Le Gué, directora da Escola Secundária Rainha D. Amélia. Não aconteceu nesta terça-feira porque, devido às funções que exerce, não se encontra actualmente a leccionar. Esta docente alerta, contudo, para os riscos de existir um excesso de mensagens. “Se calhar não seria bom que em todas as aulas da manhã estivéssemos a falar do mesmo, porque o excesso também pode levar à banalização.”

Promover a reflexão sobre estes acontecimentos também deve ser um papel das escolas, mas Isabel Le Gué pensa que tal ainda não se estará a fazer de uma forma organizada, até porque existe um turbilhão de notícias traumáticas que dificulta esta missão. “Ainda há pouco estávamos todos atormentados com a Baleia Azul”, lembra.

Fãs transtornados

Da sua experiência com jovens diz que não existem receitas, mas o principal é “falar sempre com eles e ouvi-los”. “E falar com eles com a maior abertura, tentando ter um discurso de equilíbrio no meio do desequilíbrio do mundo. Não podemos correr o risco de tentar proteger os nossos filhos não os deixando sair de casa. Temos de desdramatizar q.b. e não viver com medo permanente”, diz ainda.  

Mariana Silva, 19 anos, é fã de Ariana Grande e também administradora da página no Facebook que reúne os admiradores da artista norte-americana em Portugal. Relata ao PÚBLICO o teor das mensagens que lhe estão a chegar: “Todos os fãs da cantora estão a sentir-se extremamente abalados com toda esta situação. As principais mensagens e comentários que temos recebido mostram a preocupação dos fãs perante o estado da Ariana Grande após este ataque terrorista e a sua capacidade para voltar a subir ao palco nos próximos concertos. Com isto, estão também preocupados com o possível cancelamento do concerto em Lisboa, que acontece no próximo dia 11 de Junho. No entanto, a maior parte apoia a decisão da cantora se tal se confirmar, devido ao possível estado emocional da artista.”

Há também outro tipo de questões que estão a ser levantadas pelos fãs, adianta Mariana Silva. Como estas: “Estão a pôr em causa a segurança nas arenas. Preocupam-se demasiado em não deixar entrar garrafas de água e comida quando deviam estar atentos a outros tipos de objectos que podem entrar e provocar este tipo de situações.”

Dar sentido à vida

É preciso explicar aos mais novos que há pessoas que estão a ser educadas para uma forma de viver violenta, para a autodestruição e o extermínio, mas que “a pior coisa que podemos fazer é responder com ódio”, declara Helena Marujo, psicóloga e professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa.

Helena Marujo defende que é preciso “criar uma nova geração crítica” e para isso é preciso centrar menos a educação nos conteúdos escolares e mais em aspectos humanistas. A investigadora lembra que quem estava no concerto estava a celebrar e que o ataque terrorista tem como objectivo destruir a alegria. “Os bombistas foram treinados para dar sentido à morte, nós temos de ensinar as novas gerações a dar sentido à vida”, conclui.

Situações como esta devem servir para falar também sobre segurança, considera o pedagogo Renato Paiva. Os pais devem aproveitar para falar sobre as preocupações que os jovens devem ter quando vão a um concerto. “O que podes evitar? O que podes fazer se ouvires um estrondo?”, exemplifica. “O esmagamento [devido às pessoas que estão em fuga] pode ser mais preocupante do que o atentado em si”, acrescenta.

José Morgado, professor no ISPA – Instituto Universitário, defende que os pais devem falar sobre o tema e responder a todas as perguntas que forem feitas. Mas sublinha que não se deve dar “mais informação do que a que eles pedem”, aconselha. Alerta também para que não se deixe os filhos verem as imagens sozinhos, mas sempre com mediação dos pais, para que estes expliquem o que se passa.

Não é fácil falar sobre a morte de crianças com outras crianças, reconhece José Morgado. “É algo que não se prevê, que é pontual, que é residual”, acrescenta Renato Paiva. Para Morgado, falar da morte é responder às perguntas que são feitas, contextualizando-as, explicando porque aconteceu. “Começamos por introduzir uma leitura do mundo, porque é tão importante a morte de uma criança síria por causa das armas químicas como a morte de uma criança em Manchester”, defende.

Sugerir correcção
Comentar