Deve ser possível chumbar alunos aos seis anos, dizem professores de escolas com mais insucesso

Legislação impede que se retenha um aluno no 1.º ano de escolaridade, mas nas escolas com mais insucesso muitos docentes discordam desta proibição por considerarem que a retenção tem "vantagens".

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Dificuldade em aprender a ler é uma das principais razões dos chumbos no 2.º ano de escolaridade Rui Gaudencio

A maioria dos professores das escolas do 1.º ciclo que têm taxas de insucesso escolar acima da média nacional considera que os chumbos são elevados no 2.º ano de escolaridade porque é proibido chumbar logo no 1.º. “A maioria afirmou discordar desta proibição”, revelam os autores de um estudo sobre a retenção no 1.º ciclo, divulgado nesta segunda-feira, promovido pela associação EPIS – Empresários pela Inclusão Social e coordenado pela ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. A nível nacional a taxa de retenção no 2.º ano é de 10%.

Com base nos dados estatísticos do Ministério da Educação foram analisadas 3866 escolas, das quais 541 apresentaram níveis de retenção superiores à média nacional. A partir deste universo foi constituída uma amostra de 127 escolas, tendo sido entrevistados 127 directores ou coordenadores de escola e 245 professores.

Para 87% destes docentes, a retenção tem vantagens, mesmo em idades tão precoces como os sete anos. Esta opinião prevalece apesar de muitos dos inquiridos reconhecerem que a retenção implica riscos como a desmotivação e o desinteresse dos alunos. Feitas as contas acabam por considerar que a repetência é “única alternativa”, porque “dando mais tempo as crianças acabam por aprender e recuperar”, afirmam os autores do  estudo da EPIS, intitulado Aprender a Ler e a Escrever em Portugal, entre os quais figura a também ex-ministra da Educação e actual conselheira do Presidente da República, Isabel Alçada. 

Segundo os autores do estudo, o problema do insucesso e das dificuldades de aprendizagem está assim “naturalizado” nestas escolas – “nada há a fazer a não ser aceitar isso mesmo e conformar as práticas pedagógicas a essa realidade”.

E o que isto revela? “Que se regista uma enorme distância entre as percepções partilhadas e as práticas estabelecidas nestas escolas e as prática predominantes em muitas outras”, afirma-se no estudo, para acrescentar que existe ali também “uma enorme distância em relação aos debates científicos sobre o insucesso escolar e a repetência” e as consequências desta no percurso dos alunos (os estudos mostram que um aluno que chumba uma vez tem mais hipóteses de repetir de novo) e nas suas atitudes perante a escola. A investigação tem mostrado também que os chumbos são um preditor do abandono escolar precoce.

A influência da família

Porque chumbam os alunos logo no 2.º ano de escolaridade? A principal razão apontada é esta: “por não lerem bem e não terem atingido os objectivos estabelecidos no programa no que respeita à leitura e escrita”. Para os professores inquiridos, as causas para as dificuldades de aprendizagem na leitura estão directamente relacionadas com o agregado familiar dos alunos. Vêm de famílias que “não valorizam nem acompanham a vida escolar do aluno, por razões socioeconómicas e culturais”.

Ou seja, resumem os autores do estudo, “em Portugal, como em muitos outros países, o sistema de ensino instituído conta, para ter êxito, com as famílias”. Só que em Portugal, acrescentam, “o problema das condições familiares dos alunos coloca-se com particular acuidade, dados os défices de qualificação e de familiaridade com a escola por parte dos adultos”.

Mais uma vez, na opinião dos professores entrevistados, “a repetência é o elemento que permite compensar a ausência de condições familiares”. Em Portugal a retenção tem uma marca de classe: os inquéritos realizados aos alunos no âmbito dos testes PISA (Programme for International Student Assessment, na sigla inglesa), promovidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico para aferir a literacia dos jovens aos 15 anos, mostram que 87% dos que já chumbaram naquela idade provêem de estratos socioeconómicos desfavorecidos. 

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