Partidos franceses aprendem a governar na era Macron

Os partidos tradicionais estão ainda a recuperar da derrota que sofreram nas presidenciais. Na contagem decrescente para as eleições legislativas, há quebras de coligações, novos movimentos, traições e deserções.

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A França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon rompeu com o Partido Comunista por causa das eleições legislativas EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON

A vitória de Emmanuel Macron nas eleições presidenciais foi a pedrada no charco que está a agitar as águas do sistema partidário francês. Com as eleições legislativas no horizonte, a esquerda divide-se, os socialistas tentam sobreviver, a direita conspira e os nacionalistas lidam com uma crise de identidade.

O líder do movimento de esquerda radical França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon – que alcançou quase 20% dos votos na primeira volta das presidenciais –, está em rota de colisão com o Partido Comunista e há o sério risco de partirem de costas voltadas para as legislativas. O porta-voz do PCF, Olivier Dartigolles, admitiu esta semana que as negociações estão a decorrer “num clima degradado”.

Numa entrevista esta manhã, Mélenchon acusou o secretário nacional comunista, Pierre Laurent, de estar a “sacrificar todos os seus camaradas”. Em causa estão as exigências feitas pela França Insubmissa para viabilizar coligações com o PCF, que incluíam um programa comum e disciplina de voto – algo recusado pelos comunistas. O diálogo entre as duas formações resume-se, neste momento, a discussões de potenciais desistências em favor uma da outra na segunda volta numa “lista reduzida de círculos eleitorais”, disse Dartigolles.

Segundo a imprensa francesa, Mélenchon deverá ser candidato às legislativas pelo 4.º círculo de Marselha, a segunda cidade de França, onde a sua candidatura foi a mais votada na primeira volta das presidenciais. Pela frente, o líder da esquerda radical terá o socialista Patrick Menucci, que já disse ao Le Monde não compreender a decisão de Mélenchon e propôs um debate entre ambos.

Entre os socialistas, o tempo é de arrumar a casa – e de mais divisões. Ainda a digerir o choque da deserção do ex-primeiro-ministro Manuel Valls para o campo de Macron, o PSF assistiu esta quarta-feira àquilo que o Le Figaro chamou de “engarrafamento” de “movimentos satélite” na órbita socialista. O candidato às presidenciais, Benoît Hamon, anunciou esta quarta-feira que pretende lançar a 1 de Julho o seu próprio movimento para “reconstruir a esquerda”, mas não pretende abandonar o PSF.

“Vou continuar a defender as ideias apresentadas durante a minha campanha, sobre a ecologia, o rendimento universal, porque elas serão fecundas”, afirmou Hamon, que viu muitas das propostas da sua candidatura retiradas do programa socialista para as legislativas, na sequência do seu mau resultado nas eleições presidenciais, onde não foi além dos 6% dos votos.

Ao mesmo tempo, um grupo de dirigentes socialistas publicou uma carta aberta no Le Monde, em que é apresentado um novo movimento político chamado “Dès demain”, descrito como “pró-europeu e cidadão”. Apesar de contar com vários apoiantes de Hamon, como a autarca de Paris, Anne Hidalgo, ou a autarca de Lille, Martine Aubry, o ex-candidato presidencial não assina a carta – que é também subscrita pelo presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina. Uma fonte próxima da autarca parisiense diz ao Le Figaro que esta iniciativa não tem o objectivo de “refundar o PS ou a esquerda”, como o movimento de Hamon, nem quer “preparar os futuros desafios eleitorais”.

Um dia depois de Valls ter anunciado que pretende ser candidato pelo movimento En Marche!, fundado por Macron, o PS avançou com o processo de expulsão do ex-primeiro-ministro. Mas Valls recebeu também um aviso do lado do movimento do Presidente eleito. O responsável pelas candidaturas do En Marche!, Jean-Paul Delevoye, disse à rádio Europe 1 que Valls, “neste momento, não preenche os critérios de admissão do seu pedido de candidatura”, o que poderá significar que terá de se inscrever no partido.

À direita, teme-se uma debandada dos apoiantes do autarca de Bordéus, Alain Juppé, derrotado por François Fillon nas primárias d’Os Republicanos, para as fileiras de Macron. O Canard Enchaîné dizia esta quarta-feira que um grupo de dirigentes próximos de Juppé está a ponderar a criação de um novo partido, embora o próprio autarca tenha afastado um qualquer regresso à política nacional.

Na Frente Nacional, continuaram as reacções ao anúncio do “fim da vida política” da deputada Marion Maréchal-Le Pen, que justificou a decisão por motivos pessoais. Para o avô e fundador do partido, Jean-Marie Le Pen, tratou-se de uma “deserção” e disse esperar que ela reflicta. A deputada de 27 anos é vista como uma das dirigentes com mais peso na Frente Nacional – e até uma potencial sucessora de Marine Le Pen.

Depois da derrota na segunda volta das eleições presidenciais, Le Pen prometeu uma “profunda reforma” da Frente Nacional, incluindo uma possível mudança de nome, para tentar descolar-se definitivamente do rótulo de extrema-direita. Jean-Marie, muito próximo mais próximo das posições de Marion, está contra e chegou mesmo a criticar a “viragem à esquerda” que o partido fez. Sem a neta no partido, será, por ora, mais difícil fazer oposição à liderança de Marine.

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