A batalha pela globalização

Macron merece uma vitória clara nas urnas. A França, a União Europeia e também Portugal ficarão mais bem servidos.

Já todos sabemos que a França está dividida em duas. Hoje é dia de saber qual é o tamanho das facções. Como de um lado está Le Pen, seria fácil antecipar uma leitura entre racistas e humanistas. Mas o problema é bem mais complexo, porque quem hoje se revê nas propostas populistas de Le Pen só o faz porque ou é ou se sente como perdedor neste modelo globalizante de que a União Europeia é um dos principais representantes. Por isso é que a batalha eleitoral deste domingo em França deve ser vista como o mais importante capítulo na luta pelo futuro das sociedades abertas.

O modelo europeu no qual se investiu durante toda a segunda metade do século XX — e que tanto ajudou Portugal — funcionou enquanto a economia ajudou. A crise do euro deixou à mostra as fragilidades de um sistema que tem fortes debilidades de representação democrática e ainda maior incapacidade de resposta a quem não está preparado para as exigências do modelo social e económico liberal.

Os descontentes foram durante anos acolhidos pelas várias esquerdas, que tratava de os manter dentro do sistema. Acontece que a deriva liberal iniciada por Tony Blair e seguida como cartilha por quase todas as esquerdas europeias abriu um fosso de falta de representação a quem ficou nas margens do sistema. E a crise económica e financeira aumentou as fileiras dos descontentes que, sem acolhimento pelos actores tradicionais, foram à procura de respostas nas franjas do sistema.

Encontraram-nas nos movimentos populistas, os mesmos que nos deixam a engolir em seco de cada vez que há uma eleição num país ocidental. Esses aproveitaram para crescer, dinamitando a esquerda tradicional — como se viu em França, em Espanha, em Itália e se verá em Inglaterra daqui a um mês. As causas são comuns e os eleitores de Le Pen são os mesmos de Mélenchon em França, mas também do Podemos em Espanha e do Bloco em Portugal — o que, aliás, explica as recusas de todos em declarar apoio a Macron e a semelhança do discurso ideológico contra a União Europeia.

França não vive uma situação muito diferente da da maioria dos países europeus. Mas tem algumas particularidades que contribuem para que sirva de exemplo neste conflito entre defensores e críticos da globalização. Em França, em grande medida, a integração dos imigrantes está por fazer. A crise identitária, que é mais cultural que económica, também é pesada. E a longevidade da Frente Nacional também a torna mais credível.

É neste contexto que se joga esta eleição entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen. Macron pode ser fraco, mas é o líder dos defensores da sociedade aberta, e por isso merece um apoio declarado e entusiástico. Merece também uma vitória clara nas urnas. A França, a União Europeia e também Portugal ficarão mais bem servidos.

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