Autoridade da Concorrência condena EDP e Sonae a multas de 38 milhões

Pacto de não concorrência assinado em 2012 entre os grupos de Paulo Azevedo e António Mexia foi considerado ilegal. EDP deverá pagar 28,7 milhões e Sonae 9,6 milhões.

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As empresas vão contestar a decisão da entidade presidida por Margarida Matos Rosa Rui Gaudencio

A Autoridade da Concorrência (AdC) condenou empresas da EDP e da Sonae ao pagamento de coimas de 38,3 milhões de euros por considerar que a parceria criada entre os dois grupos para a campanha comercial Plano EDP Continente, que decorreu em 2012, assentou num “acordo ilícito de repartição de mercados”.

A fatia de leão das coimas refere-se à EDP, que tem a pagar, segundo a AdC, 28,7 milhões de euros. Ao grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO) cabe um pagamento de 9,6 milhões de euros, de acordo com a decisão da AdC, anunciada esta sexta-feira.

A EDP foi a primeira das empresas a reagir à decisão, num comunicado em que diz que esta "padece de vários e graves erros de facto e de direito" e em que garante pretender contestar a decisão em tribunal. Dizendo estar a analisar os fundamentos da decisão da AdC, a empresa salienta que, "pela clamorosa injustiça que representa, conjugada com os graves erros que lhe estão subjacentes", a decisão condenatória será "objecto de recurso junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão".

Alguns minutos depois, a Sonae anunciou que considera a decisão “a todos os títulos incompreensível, surpreendente, manifestamente errada e desconforme com a lei”. Por isso, uma vez que a Sonae e as suas participadas (Sonae Investimentos, Sonae MC – Modelo Continente e Modelo Continente Hipermercados) “repudiam firmemente esta decisão” da AdC, “irão impugná-la judicialmente, aguardando serenamente pelo respectivo desfecho e estando convictas de que os tribunais não deixarão de lhes dar razão e de as absolver de qualquer ilegalidade”.

Em 2012, os grupos liderados por António Mexia e Paulo Azevedo desenvolveram uma parceria que permitia aos clientes da EDP beneficiarem de um crédito de 10% sobre a factura da luz que passava para o cartão Continente. A sanção aplicada pela AdC não visa punir a estratégia comercial, mas sim as cláusulas de “não-agressão” do contrato de parceria assinado entre as empresas.

É que, nesse acordo, ambas comprometeram-se a não concorrer nas respectivas áreas de actividade: a EDP ficaria de fora da comercialização de bens alimentares e a Sonae manter-se-ia arredada da comercialização de electricidade e gás.

No comunicado divulgado esta sexta-feira, a entidade liderada por Margarida Matos Rosa recorda que “a Lei da Concorrência proíbe expressamente os acordos entre empresas que, tendo por objeto restringir, de forma sensível, a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional têm, pela sua própria natureza, um elevado potencial em termos de efeitos negativos” por impedirem a entrada ou condicionarem a actividade de outros concorrentes.

A prática ocorreu “no contexto da liberalização da comercialização de energia eléctrica e de gás natural em Portugal, momento de particular importância para a concorrência no sector”, frisou a AdC.

O processo, que “teve origem em denúncias de consumidores”, motivou a abertura de um inquérito no final de 2014, que resultou numa acusação formal das empresas envolvidas (EDP – Energias de Portugal, EDP Comercial – Comercialização de Energia, Sonae Investimentos, Sonae MC – Modelo Continente e Modelo Continente Hipermercados) no Verão passado.

Findo o prazo dado às empresas para exercerem o seu direito de audição e defesa, a entidade reguladora manteve o entendimento de que o compromisso recíproco “de não-concorrência nos sectores da comercialização de energia elétrica e gás natural e da distribuição retalhista de bens alimentares” que a EDP e a Sonae assinaram, por dois anos, para Portugal continental, é ilegal.

Decisão incompreensível, dizem as empresas

A EDP e a Sonae não se conformam e preferem destacar o que consideram terem sido os efeitos positivos da campanha conjunta para os consumidores e para a concorrência. Salientando, no seu comunicado, que o Plano EDP Continente “esteve em vigor durante um período limitado no ano de 2012, com benefícios significativos para os consumidores”, a EDP adianta que, “logo no início” da sua entrada em vigor, o “deu a conhecer à AdC”, sem que esta tenha “feito qualquer comentário ou reparo quanto a preocupações ou dúvidas de direito da concorrência nessa ocasião ou ao longo dos anos seguintes”.

Por isso, “é surpreendente” que passados cinco anos a entidade reguladora venha considerar que o Plano EDP Continente “teria prejudicado a concorrência no mercado retalhista de comercialização de electricidade, quando a própria AdC teve oportunamente tempo de, se fosse essa a sua convicção, impedir a implementação do acordo ou suscitar dúvidas e reservas quanto a algum dos seus aspectos”, lê-se no comunicado.

A EDP sustenta ainda que o plano trouxe “significativos benefícios aos clientes que a ele aderiram”, mas "contribuiu também para a dinamização da concorrência no mercado energético (como foi, aliás, reconhecido pela ERSE), por se traduzir em descontos efectivos para os consumidores e ter sido seguido por várias outras iniciativas semelhantes por parte de outros operadores”.

A Sonae defende igualmente os méritos da campanha: “O Plano EDP Continente revelou-se um marco no processo de liberalização do mercado de energia em Portugal, proporcionando aos consumidores, pela primeira vez, poupanças nas despesas de electricidade”. Além disso, “incentivou a concorrência no sector pela abertura de um canal de comercialização de electricidade inovador e, conforme foi reconhecido pelo regulador sectorial (ERSE), a estrutura do mercado não sofreu qualquer impacto negativo”, lê-se no comunicado.

Salientando que a AdC “conhecia esta situação desde o lançamento” do produto e “não levantou qualquer questão em tempo útil”, a dona dos hipermercados Continente revela ainda que o Plano EDP Continente “teve uma adesão de 146 mil consumidores, a quem foi distribuído mais de um milhão de cupões de desconto, que totalizaram um valor de 6,7 milhões de euros”.

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