É o empreendedorismo, estúpido!

O "empreendedorismo" vai finalmente mudar o tão famigerado "padrão de especialização da economia portuguesa"? Talvez não, mas pode dar uma grande ajuda.

Quando, em 1992, James Carville, o criativo e estratega da campanha presidencial de Clinton contra Bush, afixou na sede de Clinton a frase “Its the economy, stupid”, estava certamente longe de imaginar (ou não) que esta frase havia de se tornar o centro da campanha e talvez o mote que havia de levar à vitória dos democratas.

É certo que esta frase (estupidamente simples...) fazia parte de um conjunto de três nas quais os estrategas de Clinton se deveriam focar: "change vs. more of the same" (mudança vs. mais do mesmo) e "don't forget health care" (não esquecer a assistência médica). Mas foi de facto esta frase que marcou a campanha e passados 25 anos ainda é uma referência para inúmeros artigos.

Vem isto a propósito do tema tão em voga do “empreendedorismo” e por isso podemos, por uma certa analogia, dizer que um dos grandes temas centrais na economia do séc. XXI é de facto o “empreendedorismo” em sentido lato, embora normalmente se refira mais o “empreendedorismo de base tecnológica”. E como perceber rapidamente e de forma simples a importância deste tema e o seu real impacto na economia global?

Podíamos certamente recorrer a estudos científicos de Harvard, Columbia, Insead ou mesmo da reputada OCDE, mas, para simplificar, recorramos por uns momentos a indicadores mais modestos (mas às vezes tão mais reais) que são algumas observações empíricas tal como fazemos quando andamos de táxi e perguntamos a dois ou três taxistas de uma cidade como vai a economia ou quando andamos no metro e "lemos" o estado de espírito e ânimo das pessoas que ali circulam, ou ainda quando na mercearia do nosso bairro perguntamos ao Sr. Silva “como vão as coisas”…

Existem actualmente três indicadores empíricos de forte influência na importância, centralidade e oportunidade dos temas:

i) O primeiro são os "famosos mercados” (esse personagem sem rosto mas que tanto determina na economia mundial e na vida de todos nós). Normalmente, "os mercados" são dos primeiros a antecipar tendências. Porquê? Porque tão simplesmente, tal qual o tubarão que cheira o sangue no oceano a quilómetros de distância, os mercados "cheiram" o dinheiro à distância e por isso são dos primeiros a detectar onde está o “novo El Dorado”, a “nova árvore das patacas” ou “the next big ideia” e, por isso, apostam meteoricamente nas novas tendências. É por isso que a Uber foi avaliada por quase tanto quanto o valor do conjunto das empresas que integram o PSI20 português, ou porque o delicioso Candy Crush — quem nunca esmagou um doce que atire a primeira pedra... — foi vendido por um valor semelhante ao que serviu para capitalizar toda a banca portuguesa (sim, foram mais de 5000 milhões de euros que injectámos nos bancos e sim, foram mais de 5300 milhões que a Activision pagou pela King Digital/Candy Crush! E tantos outros exemplos podiam ser dados, como os valores astronómicos que giram em torno da Google, da Alibaba, da Airbnb, etc... Portugal (um país inteiro com oito séculos de história) precisou recentemente de 78 mil milhões de euros para "fugir" à bancarrota. Só o Facebook vale muito mais do dobro desse valor e não produz um único conteúdo — utiliza os nossos.

ii) O segundo indicador são “os jornalistas” e o jornalismo. Com um "faro" (quase) tão apurado quanto o dos "mercados", apercebem-se muito rapidamente das grandes tendências, dos grandes temas, onde está e de onde vem a tão desejada "novidade". Por isso é tão simples: quando os órgãos de informação internacionais e nacionais começam a dedicar espaço a um determinado tema, é porque ele interessa e é porque ele cria valor e vende. E, nos últimos meses, não há jornal, revista, canal de televisão, rádio, meio online que não dedique (e felizmente) cada vez mais espaço a este tema.

iii) O terceiro e último indicador são "os políticos". Normalmente os últimos a chegar e a dar importância a muitos dos temas que interessam à economia e à sociedade, mas depois tão rápidos a "calçar umas galochas" e ir para o meio da lama no pós-inundação, tornado ou maldição ou a aparecerem num qualquer jornal com um papel na mão a dizer "Je suis".

Se Marcelo Rebelo de Sousa concorresse hoje de novo a presidente da Câmara de Lisboa ele já não mergulharia no Tejo de calção de banho. Marcelo, vestido informalmente com uma sweat-shirt com capuz da Abercombie ou da Over It do português Martim Neves, "mergulharia" certamente no Centro de Inovação da Mouraria, visitaria a LX Factory e pediria por favor ao Miguel Fontes que o recebesse na Startup LX.

Assim, no que se refere ao empreendedorismo, pode-se dizer com segurança que o tema está na ordem do dia, está no "olho do furacão", porque se "os mercados" investem, se "os jornalistas" o publicitam e se "os políticos" o apregoam é porque o tema "dá dividendos" e "stock options", “dá share" e “vendas” e "dá votos" e “eleições”.

Quer isto dizer que o "empreendedorismo" vai finalmente mudar o tão famigerado "padrão de especialização da economia portuguesa"? É o empreendedorismo que nos vai colocar no topo do ranking de competitividade do World Economic Forum? Talvez não, mas talvez dê uma grande ajuda.

É certo que temos a Fly London (parabéns, Fortunato Frederico), é certo que temos a Renova (parabéns, Paulo Pereira da Silva), é certo que temos a Frulact (parabéns, João Miranda), é certo que temos a Simoldes (parabéns, António Rodrigues), é certo que temos a Bial (parabéns, António Portela) e é certo que temos tantas e tantas outras… e é certo que temos as mais de 1800 PME Excelência distinguidas pelo IAPMEI e tantas outras importantes empresas portuguesas.

Mas quando vemos, hoje em dia, que a Uniplaces consegue captar 22 milhões de euros de investimento (parabéns, Miguel Santo Amaro); que a Codacy venceu o Websummit em Dublin o ano passado e continua a marcar posição na plateia mundial (parabéns, Jaime Jorge); que a Chic by Choice comprou a rival alemã La Remia (parabéns, Filipa Neto); que a Unbabel está a dar cartas em Silicon Valley e no mercado mundial (parabéns, Vasco Pedro); que a Feedzai, depois da ronda de investimento de 16 milhões de euros, está a contratar mais 70 pessoas (parabéns, Nuno Sebastião); que a Talkdesk também está a dar cartas no mercado mundial de software (parabéns, Tiago Paiva) e que o programa televisivo Shark Tank teve um enorme impacto nas camadas jovens e talvez tenha sido um dos motivos que fez disparar o número de pedidos de patentes em Portugal, aí percebemos que algo deve estar mesmo a mudar e que o empreendedorismo não é a salvação nacional mas pode, em muito, contribuir (e está já a contribuir) para um novo movimento e a definição de um novo perfil de especialização.

Assim, é caso para dizer aos ainda resistentes "George W. Bushs" que ainda não perceberam que "é o empreendedorismo, estúpido!".

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