Crise "deu um rombo muito grande" na satisfação com o sistema
Os jovens participam pouco na vida política e ainda menos na partidária. O estudo “Valores e expectativas de uma geração mais qualificada”, orientado por Marina Costa Lobo e Vítor Ferreira mostra uma juventude mais alheada dos partidos que da política.
São poucos os estudos que se focam nos jovens que estão ligados a juventudes partidárias. Em 2015, a Presidência da República pediu aos investigadores Marina Costa Lobo e Vítor Sérgio Ferreira um inquérito sobre a relação entre os jovens e a participação política e cívica. E o estudo mostrou um retrato desinteressado dos mais novos.
No estudo diz que a participação dos jovens em partidos políticos oscilam entre os 1% e os 2,7%. Os jovens tendem a envolver-se menos em juventudes ou partidos políticos por temerem maiores dificuldades profissionais?
O que o nosso inquérito revela é que de um modo geral toda a população portuguesa se identifica pouco com os partidos e participa pouco neles. Os jovens (18-24), por definição, são uma faixa etária em que a inserção no mercado de trabalho é menor, e também é uma faixa etária menos associada a conjugalidade, parentalidade. Esta é, por excelência, uma época da vida como menos responsabilidades, o que pode fazer com que as questões políticas pareçam menos importantes. Não quer isto dizer que com o avançar da idade e à medida que se forem integrando no mercado de trabalho, casando, tendo filhos, a política não surja como mais importante – porque o impacto da política no dia a dia torna-se mais evidente, seja devido aos impostos, devido ao Estado providência, etc., levando a maior compromisso em termos de identificação partidária e em termos de participação política.
Por outro lado, há a ideia na sociedade de que os jovens que entram nas juventudes têm uma atitude carreirista. Ou seja, entram para terem “seguro um tacho” que lhes pode dar ascensão social a partir da actividade partidária. Concorda com esta ideia?
Existem poucos estudos sérios sobre as juventudes partidárias. O que podemos afirmar, do ponto de vista dos inquéritos, é que o balanço da mobilização dos jovens portugueses para a política tem sido muito negativo.
Qual o papel da Internet na politização dos jovens? A Internet ajuda a uma acção política mais distante, mais protegida, mais difusa na massa e por isso mais segura?
A Internet é uma arma poderosíssima de disseminação de informação e opiniões e até de conhecimento. Agora, é preciso ter capacidades cognitivas para usar essa arma. Por isso, o grau de escolarização, bem como o interesse pela política está na base do efeito que a Internet possa ter sobre os jovens. Por outro lado, os partidos políticos e outras organizações políticas têm de saber comunicar com os jovens nos seus fóruns preferidos. Diria que a Internet é um forum privilegiado, mas a procura por parte dos jovens não é homogénea, e o meio implica formas de comunicação novas, que por vezes os partidos políticos, bem como as organizações de forma mais lata, desconhecem.
Qual a relação entre as condições de vida e a participação política?
Verificamos uma correlação entre recursos educacionais, aqueles que dizem "viver confortavelmente" e interesse pela política, ter uma identificação partidária e participar políticamente. Provavelmente, os níveis educacionais e o rendimento estão associados nestas faixas etárias, e juntos propiciam o interesse e a participação política.
Entre 2007 e 2015 há uma quebra na identificação partidária dos jovens. A que se deve?
Este não é um estudo de painel, ou seja, não entrevistámos os mesmos jovens em 2007 e 2015, pelo que não podemos dizer ao certo o que está na base da quebra. No entanto, observando outros inquéritos, nomeadamente o Eurobarómetro, que é realizado anualmente verificamos que este tipo de indicadores de apoio ao sistema político – satisfação com a democracia, ou identificação partidária – sofrem um rombo muito grande com o agravar da crise económica, o empréstimo da troika. Neste momento há alguma recuperação, embora se mantenham níveis genericamente baixos do ponto de vista comparado. Os jovens, dentro das suas especificidades, acompanham no essencial o resto da população portuguesa.