Não confunda Portugal com Miami

Brasileiros, que venham os cientistas, os investidores, os empreendedores e as pessoas felizes. Mas olhem que os problemas de raiz continuam os mesmos

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John O'Nolan/Unsplash

Depois de ler tantos artigos sobre a nova leva de imigração brasileira em Portugal, fiquei a pensar no quanto os social managers e investidores imobiliários devem estar a lucrar, ou diria melhor, até a criar uma nova moda. Surgem alguns títulos surpreendentes como "Portugal é a nova Miami" e a imprensa fomenta o mesmo alvoroço que a "coqueluche" africana, na qual milhares de emigrantes encontraram um trabalho duro e condições de nem sempre favoráveis. Quase todos os textos são pouco elucidativos e alguns personagens fogem ao padrão da vida real do emigrante em Portugal. Afinal, ter o visto Gold (500 mil euros) é para uma minoria.

A morar aqui há mais de 17 anos e a vivenciar as dificuldades habituais de um estrangeiro, passei por muitas destas correntes imigratórias e por isso vi com meus próprios olhos que alguns temas são pouco divulgados para quem quer ser imigrante na terra de Camões. Apesar de todas as maravilhas que Portugal realmente possui, como a segurança, o acesso à educação, a saúde e a mobilidade, não podemos esquecer que o ordenado em Portugal é o mais baixo da Europa e, com o "boom" do turismo, viver nas capitais quase triplicou de preço. Portanto, para vir morar em Portugal é preciso estrutura financeira e, claro, bases para a legalização.

O servico de estrangeiros não tem filas VIP e o “jeitinho brasileiro” não resulta se não tiver os documentos válidos. Além das dificuldades burocráticas, sempre reforço que a língua portuguesa é um mero detalhe, porque culturalmente somos bem diferentes. A piada de português já teve mais piada e é preciso perceber os costumes e a forma de pensar de cada um. Não falo em perder a nossa identidade festeira e optimista. Simplesmente, perceber que está a chegar a um país muito mais tradicional. E isto não é tão fácil quanto parece.

Emigração difícil

Em mais de um texto li os jornalistas "inocentes" da imprensa brasileira a tratarem os brasileiros por "brazuca", como se fosse algo engraçado. Pois não, não é. Aqui ainda é bem pejorativo, um grande resto de preconceito que ainda persiste. Lembrem-se que a nossa imigração desde há 20 anos foi difícil por aqui.

Primeiro, os dentistas com diploma falso, depois as prostitutas, os publicitários (que tiravam as vagas dos criativos locais, diziam), e muitos que vieram para cá trabalhar nos serviços, como nos cafés, salões de beleza e construção civil. Mas foram poucos destes que conseguiram condições dignas e milhares voltaram para o Brasil, cansados de ter uma vida limitada e muitas vezes ilegal. Agora, o cenário mudou, porque temos muitos mais estudantes, pessoas "de classe A", como dizem as reportagens, reformados e famílias que decidiram vir de vez para Portugal. Mas os problemas de raiz continuam os mesmos.

Os ordenados não aumentaram, as casas não estão mais baratas e nem existem empregos a saltarem dos anúncios. Aqui não há o biscateiro para carregar as compras e trabalha-se muito para ter luxos semelhantes aos que tínhamos no Brasil. Na verdade, em Portugal tem até quem sonhe em não precisar de andar de carro e o luxo transforma-se cada vez mais em ter uma vida simples. Este texto não é apologista da não-imigração. Que venham os cientistas, os investidores, os empreendedores e as pessoas felizes. Mas Portugal não é Miami. Não confudam a nossa bica na pastelaria do bairro com o chafé da Starbucks. Estamos de braços abertos, mas resistiremos aos modismos.

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