Mundo marcha pela ciência este sábado (Portugal incluído)

Inspirada pela Marcha das Mulheres contra Trump e empurrada pelos anunciados cortes nas mais variadas áreas de investigação nos EUA, um grupo de cientistas norte-americanos marcou a data de 22 de Abril para a Marcha pela Ciência. A acção tornou-se viral e Portugal também entra.

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Marcha das Mulheres contra Trump a 21 de Janeiro, nos EUA, foi a inspiração para a Marcha pela Ciência SHANNON STAPLETON/Reuters

É impossível saber precisamente onde e como vai acontecer. Serão já mais de 500 cidades em 40 países, segundo a “organização-mãe” da Marcha pela Ciência que está em Washington, nos EUA, que vão participar na iniciativa marcada para este sábado, 22 de Abril. Em Portugal também se vai marchar pela ciência numa acção organizada em Lisboa por um grupo de investigadores. O ministro da Ciência Manuel Heitor e o comissário europeu Carlos Moedas já anunciaram que apoiam a iniciativa e que se vão juntar à marcha.

“Não existe planeta B”, “A ciência é o meu super-poder”, “Ciência e não silêncio”, são as frases (numa tradução literal do inglês) impressas nas t-shirts, pins e bonés oficiais da Marcha Pela Ciência, com “sede” nos EUA. Em Portugal, até ao final da semana passada ainda não havia muitas decisões tomadas sobre “faixas, cartazes e gritos” para usar na marcha, sendo que o encontro para resolver esses pormenores aconteceu apenas na última segunda-feira no Bar Irreal, em Lisboa. Assim, para já ficou decidido que nos cartazes e nas faixas em Portugal teremos frases como “Ganha consciência, aposta na ciência”, “Queres evidência, toma lá ciência” ou “os factos não tomam partidos”.

Mas, afinações à parte, Gil Costa, neurocientista da Fundação Champalimaud e um dos organizadores da acção em Portugal, parecia optimista quando falou com o PÚBLICO. “A resposta tem sido surpreendente. Nas redes sociais temos cerca de 350 pessoas a dizer que vão e 1200 com interesse”, contabilizava, consciente de que a mobilização em Lisboa será uma pequeníssima amostra do ambiente que se espera nas cidades norte-americanas que aderiram ao evento. “Vamos marchar por solidariedade com os EUA, mas também vamos marchar pela ciência em Portugal para dizermos que a ciência é o motor para o futuro e uma oportunidade.”

Quando os organizadores da marcha nos EUA sugeriram esta acção, estavam longe de imaginar o efeito viral que teria. A inspiração veio da Marcha das Mulheres contra Trump, que juntou milhares de pessoas nas ruas de Washington (e noutras cidades) em Janeiro deste ano. Os anunciados cortes da nova Administração Trump nas mais variadas áreas de investigação fizeram com que os cientistas sentissem que esta era a altura de lembrar a importância da ciência.

O rastilho acendeu-se primeiro nas redes sociais num grupo pequeno, mas rapidamente se alastrou. Em apenas cinco dias, a página oficial no Facebook, criada ainda em Janeiro, passou de 200 seguidores para 220 mil. A data de 22 de Abril, Dia Mundial da Terra, foi das primeiras coisas a ser decidida. Caroline Weinberg, uma investigadora na área da saúde pública e uma das organizadoras da acção, já referiu em várias entrevistas que nunca imaginou que se pudesse chegar tão longe.

Os números mais recentes, divulgados esta semana na página oficial do evento, apontavam para mais de 500 cidades a marchar pela ciência. E, tendo em conta todo o esforço feito nos últimos meses para montar esta operação que ganhou uma dimensão mundial, Caroline Weinberg também já disse publicamente que se toda esta mobilização acabar no dia 22 de Abril isso significará “um fracasso total”. O movimento e toda a paixão gerada não podem dissipar-se, sublinha. O plano, dizem agora os organizadores que viram o projecto crescer, é que os cientistas não se sentem nas suas salas e laboratórios quando regressarem da marcha nas ruas. O plano, desafiam, é usar esta “organização” que nasceu para uma marcha num dia de Abril para fazer algo maior, uma nova entidade que defenda a ciência.

Por cá, Gil Costa não sabe o que dizer sobre o futuro do grupo que está a organizar a marcha em Portugal. “É um desafio mas não sei responder. A única coisa que sei é que depois da marcha vou precisar de umas férias. Depois, logo veremos. É provável que alguma coisa surja daqui depois da marcha”, diz ao PÚBLICO, após alguns meses de encontros semanais que começaram a 17 de Fevereiro para montar a acção.

No site e na página do Facebook da Marcha pela Ciência em Portugal, estão vários testemunhos e a missão desta acção. Muito resumidamente, o objectivo é “apoiar e celebrar o papel da ciência na sociedade” e estão convidados a participar todos aqueles que “acreditam que a ciência é fundamental para o progresso”.

“A minha participação foi motivada pela iniciativa em Washington e pelas decisões sucessivas do Presidente Trump. Aderi porque tenho confiança no conhecimento e porque sei que a ignorância só traz desastres”, refere ao PÚBLICO o investigador (e deputado) Alexandre Quintanilha, concluindo que “todos sabemos que investir no conhecimento não é barato, mas devíamos também saber que a ignorância fica muito mais cara”.

As críticas e os apoios

Uma “marcha pela ciência” parece ser uma proposta que tem tudo para reunir um apoio unânime. Mas não. Durante estes meses, reuniram-se muitos apoios mas também críticas. E rapidamente surgiu quem apontasse para os espinhos da rosa e instalasse a polémica, alertando para os riscos de “aproveitamento partidário” desta acção.

Num editorial publicado a 11 de Abril, a revista Nature deu o seu apoio à Marcha pela Ciência numa declaração que não ignorou as reservas que foram tornadas públicas sobre a marcha, sobre os seus métodos e possíveis implicações. No texto, admitia-se o risco de os investigadores serem rotulados como “mais um grupo partidário com interesses especiais que, alinhando contra a política do Presidente Donald Trump, fortalece a ideia (errada) de a ciência ser uma preocupação de esquerda e liberal”. Porém, concluía-se, “aqui, é essencial ter uma visão mais global”. “Este protesto mundial dá aos cientistas a oportunidade de pensarem seriamente no que valorizam na ciência, reconhecerem os objectivos comuns que partilham e reafirmarem que o processo científico é a melhor maneira para tomar decisões informadas”, justificava-se, considerando que o lado positivo desta marcha ultrapassa os riscos. Ainda que uma acção como esta possa esbater a linha que separa a ciência e a política, a verdade é esta linha já é muito mais turva do que alguns acreditam, argumentava o editorial. Assim, mais do que um protesto contra Trump e os seus cortes, esta acção deve ser, acima de tudo, uma manifestação em defesa da ciência.

O ministro da Ciência português, Manuel Heitor, já anunciou que vai participar na marcha pela Ciência em Lisboa. Aliás, em declarações à Lusa, defendeu recentemente que “há falta de activismo científico na Europa” e que é preciso que os cientistas se envolvam mais e reclamem pelos seus direitos. Carlos Moedas, comissário europeu responsável pela Investigação, Ciência e Inovação, também já fez várias declarações de apoio à Marcha pela Ciência. “Podemos e devemos orgulhar-nos da ciência europeia. Vale a pena marchar pela ciência!”, escreveu o comissário na página de testemunhos da marcha em Portugal, acrescentando que “a ciência é um elemento central do nosso futuro”.

“Este movimento nasce na sociedade civil. Não vejo esta iniciativa como tendo um cunho partidário, nem como sendo uma reacção corporativa da comunidade científica”, considerou ainda, em declarações, Carlos Moedas. Alinhando com a posição de Manuel Heitor, atira o que parece ser um apelo às manifestações de cientistas: “Já vi muitas manifestações em Bruxelas desde que sou comissário. Todas louváveis, desde agricultores a ambientalistas. Mas nenhuma de cientistas.”

Este sábado será possível ver uma manifestação de cientistas à escala mundial, com o epicentro do fenómeno localizado em Washington. Em Lisboa, o ponto de encontro é às 14h, no Largo de São Mamede, seguindo-se depois pela Rua da Escola Politécnica e daí até ao Largo do Carmo, onde às 15h será montado um palco para discursos de alguns convidados (o comissário europeu Carlos Moedas e os investigadores Maria Mota, Alexandre Quintanilha e Olga Pombo), mas com a promessa de “microfone aberto”.

A organização chama-lhe comício e Gil Costa confirma que o lado político será apenas representado pelo “partido da ciência”. Depois, a partir das 16h, há uma festa de ciência em vários locais do Chiado e Bairro Alto que se anuncia com “um roteiro próprio para famílias, curiosos e interessados pela ciência” com debates, actividades e entretenimento científico. “O que queremos destacar é o carácter inclusivo da marcha e a festa da ciência que será um palco para os cientistas se encontrarem com a população”, resume o organizador.

A marcha deste sábado é aberta a todos os que acreditam que os cientistas são os super-heróis da vida real, os que verdadeiramente fazem milagres e serão capazes de salvar o planeta. Uma tarefa ainda mais importante se tivermos em conta que, de facto, não existe um planeta ou plano B. E, se houvesse, seriam muito provavelmente os cientistas a encontrá-lo. 

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