Sexo e mentiras: as notícias da Rússia sobre a UE

Gigantes mediáticos como a RT e a Sputnik trabalharam em conjunto com websites extremistas e bloggers, trolls, e bots individuais para propagar desinformação.

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Reuters

Violação, pedofilia, incesto e sodomia – os meios de comunicação russos andam há anos a atacar a França e a Alemanha com centenas de histórias falsas ou distorcidas, muitas das quais são concebidas para provocar repulsa sexual para com as pessoas que pedem asilo e os políticos que os acolheram.

Teorias da conspiração sobre atentados terroristas de bandeira falsa e sobre o nazismo também apareceram na campanha de propaganda de Moscovo, enquanto a França e a Alemanha caminham para eleições.

As notícias sobre Lisa, uma rapariga de 13 anos de origem russa residente na Alemanha que teria sido violada por migrantes no Verão passado, são o caso mais conhecido deste género.

Lisa saiu de casa durante uns dias e disse à família que tinha sido raptada e violada por árabes. A polícia alemã afirmou que isto não era verdade e, posteriormente, a adolescente confessou ter inventado tudo.

No entanto, isto foi noticiado como facto em todas as grandes agências de notícias da Rússia e apoiado pessoalmente pela ministra dos Negócios Estrangeiros da Rússia.

A história também circulou durante meses em websites pró-russos escritos em línguas locais em toda a Europa (por exemplo, em checo, inglês, húngaro e eslovaco) e divulgado ainda mais por trolls e bots russos nas redes sociais.

A 17 de Janeiro do ano passado, uma das principais televisões russas, a Pervyi Kanal, chegou a transmitir uma entrevista falsa no YouTube com os tios de Lisa, que foi posteriormente removida.

A ideia de que as autoridades alemãs tinham silenciado o caso fazia parte da narrativa russa, o que significa que as negações oficiais reforçaram a mensagem e a história continuou viva muito depois de ter sido desmascarada.

A história de Lisa foi concebida para prejudicar a chanceler alemã, Angela Merkel, uma defensora das sanções da União Europeia à Rússia, ao indicar que a sua política de acolhimento de refugiados tinha posto os alemães em perigo.

Ela também foi concebida para semear o ódio étnico na sociedade alemã e foi acompanhada de manifestações organizadas por grupos de emigrantes russos.

Esta história expôs o modo como a Rússia opera – como gigantes mediáticos como a RT e a Sputnik trabalharam em conjunto com websites extremistas e bloggers, trolls, e bots individuais para propagar desinformação. Revelou o modo como publicações feitas numa língua europeia acabam por ser traduzidas e publicadas em outras línguas.

Também foi apeanas uma das dúzias de histórias que usaram tabus sexuais para manipular os sentimentos das pessoas.

A EUobserver estudou os 2951 exemplos de fake news russas que foram recolhidos e publicados pela East Stratcom, uma célula anti-propaganda no serviço de relações exteriores da EU, desde Outubro de 2015.

A maior parte deste material foi criado com o objectivo de legitimar a política externa da Rússia, nomeadamente a anexação da Crimeia a partir da Ucrânia ou a intervenção militar na Síria.

Também foi concebido para legitimar o Governo cada vez mais totalitário do Presidente russo, Vladimir Putin, ao alegar que o Ocidente e a NATO estavam a tentar cercar a Rússia. No entanto, a história de Lisa foi apenas o início de uma longa série.

Das 189 que a East Stratcom identificou como tendo como alvo directo a França e a Alemanha, 28 (15%) baseavam-se em insultos de cariz sexual contra migrantes e contra pessoas LGBTI nestes países.

Outras dúzias de histórias utilizavam conteúdo sexual que tinha como alvo outros estados da UE, principalmente na região nórdica, de forma a pintar um retrato enganador de uma emergência a nível europeu, causada por Merkel, pelo presidente francês, François Hollande, e pelas instituições europeias.

A East Stratcom recorre a jornalistas e a ONG em toda a Europa, que enviam alertas sobre fake news russas.

O número real de histórias falsas sobre a França e a Alemanha era muito superior a 200, mas esta célula da União Europeia tem mais correspondentes em ex-estados soviéticos e em países da Europa central e de Leste do que no Ocidente e no Norte da Europa, o que cria “ângulos mortos” na sua investigação.

Um diplomata europeu, que pediu para não ser identificado, contou ao EUobserver que o uso do sexo como arma de propaganda não era acidental.

“O sexo fica na memória,” disse o diplomata.

“Ele cria muitas emoções e quando o objectivo não é informar as pessoas, mas sim dividi-las, destabilizá-las, torná-las mais fragmentadas, mais temerosas, mais zangadas, é precisamente este tipo de mensagem que se pretende,” explicou.

Jakub Janda, um perito checo do think tank European Values, sediado em Praga, e que trabalha com a East Stratcom, acrescentou: “O sexo é utilizado porque é emocionalmente mobilizador e apoia a narrativa de que a liderança convencional ocidental/alemã é fraca e que não consegue ou não quer defender o nosso povo.”

Violações de migrantes

A história de Lisa surgiu em conjunto com notícias distorcidas sobre ataques sexuais cometidos por árabes contra alemãs, na Passagem de Ano de 2016, em Colónia.

Houve ataques, mas os meios de comunicação russos alegaram, falsamente, que Merkel se recusou a condená-los e que a polícia alemã não interveio por motivos politicamente correctos.

Em Junho do ano passado, a televisão russa noticiou que um migrante tinha empurrado uma jovem alemã contra um comboio. O ataque era verdade, mas o atacante não era um migrante.

Em Setembro, os meios de comunicação russos alegaram, sem apresentar nenhuma prova, que em muitas cidades alemãs as mulheres tinham receio de sair à rua de noite, com medo de serem violadas por migrantes.

Também alegaram, sem quaisquer provas, que os tribunais alemães estavam “inundados” de crimes sexuais cometidos por migrantes e que a política alemã não podia registar estatísticas sobre crimes relacionados com migrantes.

Em Fevereiro deste ano, bloggers russos circularam notícias falsas sobre ataques sexuais de migrantes a mulheres na Passagem de Ano em Frankfurt.

Em França, usaram-se golpes sujos parecidos.

Em Maio do ano passado, um programa de televisão emblemático na Rússia, Vesti nedeli, citou Raphaëlle Tourne, uma francesa que terá dito que tinha sido atacada verbalmente por migrantes e que tinha medo de sair à rua no seu próprio bairro – mas as declarações foram inventadas.

Em Novembro do ano passado, um blogger checo pró-Rússia semeou uma história falsa segundo a qual que o governo francês tinha colaborado secretamente com radicais islâmicos de modo a criar zonas governadas por leis islâmicas da “sharia”, que oprimiam mulheres em algumas partes de França.

Noutra variante deste padrão, em Fevereiro uma conta de Facebook pró-Russa afirmou que um padre de Avignon, em França, tinha sido atacado por migrantes, apesar de este ataque ter acontecido há quatro anos.

Fontes russas também reproduziram histórias de cariz sexual com migrantes na Áustria, na Bélgica, na Dinamarca, na Finlândia, na Itália, na Noruega e na Suécia.

Estas noticiaram que raparigas finlandesas tinham sido violadas por migrantes, sem apresentar nenhuma prova.

Alegaram que a Áustria tinha absolvido um migrante que violara um menino de 10 anos, apesar de o alegado violador não ter sido absolvido.

Afirmaram, falsamente, que migrantes tinham engravidado cinco freiras num mosteiro em Milão, que lhes tinham dado abrigo, e que um migrante tinha atacado sexualmente uma rapariga de 17 anos na Dinamarca (uma história que usava fotografias de um incidente com vários anos).

Fizeram alegações infundadas sobre violações em massa cometidas por migrantes na Bélgica e na Suécia, o país que acolhe mais refugiados per capita e que, por causa disto, estes se tinha tornado “a capital de violações na Europa”, segundo as notícias russas.

A campanha para provocar repulsa sexual e política também utilizou conteúdos mais exóticos.

Em Janeiro, meios de comunicação pró-Rússia afirmaram que a Alemanha tinha contratado prostitutas checas para terem sexo com migrantes, de modo a disseminar doenças sexualmente transmissíveis na República Checa, como vingança por Praga se ter recusado a aderir às quotas de redistribuição de migrantes na União Europeia.

Em Fevereiro, fizeram uma alegação sem fundamento de que a bestealidade estava a crescer na Alemanha, devido a imigrantes africanos.

Em Novembro de 2015, um website checo pró-Russo disse que a Alemanha planeava legalizar a pedofilia na União Europeia.

Em Abril do ano passado, um blogger russo noticiou que os países ocidentais iam legalizar o incesto, o canibalismo e a necrofilia.

Em Maio, o jornal russo Pravda disse que Merkel era uma lésbica que queria legalizar a pedofilia e, em Outubro, a Ren TV, também russa, alegou que os homens europeus queriam praticar a poligamia porque tinham ciúmes dos migrantes muçulmanos que tinham mais do que uma mulher.

Noutra variante deste tema, em Janeiro, um utilizador russo das redes sociais semeou uma alegação falsa de que a ministra dos Negócios Estrangeiros da Suécia, Margot Wallstroem, era uma feminista tão radical que defendia a castração em massa dos homens brancos.

Fazedores de opinião

Não existem estudos detalhados sobre o impacto de histórias deste género na opinião pública da França e da Alemanha.

No entanto, um inquérito feito no ano passado pela empresa de sondagens americana Pew indicou que a propaganda russa já tinha atraído um número considerável de eleitores na Europa.

Segundo esta sondagem, entre 25% e 30% das pessoas em França, na Alemanha, na Itália e em Espanha acreditavam, por exemplo, que não havia tropas russas no leste da Ucrânia, apesar de haver abundantes provas do contrário.

Também não existe nenhum estudo detalhado sobre o modo como os meios de comunicação russos colaboram com websites extremistas e bloggers individuais, que proporção de editores menores são agentes do Kremlin e quais reproduzem conteúdos falsos porque acreditam neles.

“Este grande ecossistema [mediático] tem partes diferentes, com objectivos diferentes… e o nosso conhecimento sobre ele ainda é muito reduzido. É bastante assustador e é óbvio que eles conhecem o nosso público muito melhor do que nós,” disse o diplomata europeu.

“Precisamos de saber quantos multiplicadores orientados para a desinformação existem, quem está ali para semear a história, quem está ali para fornecer material para plataformas de desinformação em outras línguas, quem está ali para chegar ao público em geral e quem está a alcançar os fazedores de opinião”.

O diplomata afirmou que “não há dúvida de que algumas partes [do ecossistema] funcionam de forma independente do cérebro central da Rússia.”

Porém, ele acrescentou que, se os meios de comunicação ou bloggers europeus faziam eco do “cérebro central” em boa-fé, então isso seria “o resultado ideal deste bombardeamento maciço de informação.”

“Estes casos são muito mais perigosos – quando uma plataforma que não pertence ao Kremlin espalha desinformação pró-Kremlin, esta desinformação recebe mais credibilidade.”

O diplomata também disse que o número reduzido de leitores de algumas plataformas pró-Rússia não significa que estes sejam inofensivos, porque têm como alvo os “fazedores de opinião”.

“Temos de ver isto como uma campanha publicitária”, explicou.

“Podemos ter dúvidas se o custo de um anúncio numa revista que é lida por 500 pessoas vale a pena, especialmente quando a mesma empresa tem anúncios na televisão, rádio e internet… Mas, se a empresa sabe que esses 500 leitores são importantes para eles, e que estes podem ter influência em outros públicos, então foi dinheiro bem investido.”

Valores ortodoxos

As histórias sobre violações cometidas por migrantes faziam parte de uma narrativa mais alargada que representava Putin e os partidos europeus de extrema-direita pró-Putin como guardiões dos valores ortodoxos.

Estas histórias apareciam ao lado de fake news homofóbicas concebidas para provocar repulsa face à comunidade LGBTI na Europa e políticos liberais, como Merkel e Emmanuel Macron (candidato presidencial francês), ou instituições europeias que defendem os direitos das minorias.

Em Março, num ataque directo à campanha presidencial francesa, a televisão russa espalhou rumores sem fundamento de que Marcon, um político crítico da Rússia e a favor da União Europeia, tinha tido um caso amoroso homossexual.

Em Fevereiro, a televisão russa também afirmou que o Parlamento Europeu promovia a homossexualidade em França de forma a apagar as diferenças entre os géneros.

No Verão passado, a televisão russa disse que os franceses estavam chocados com os hooligans russos porque as suas ideias de masculinidade tinham sido degradadas por ver homens a participar em marchas do Orgulho Gay.

Este conteúdo homofóbico também tinha uma dimensão pan-Europeia.

Em Maio, num exemplo típico, um jornal pró-Russo na Geórgia afirmou que as elites europeias tinham sido “capturadas” por activistas LGBTI. Em Junho, um website russo disse que na Europa as pessoas estavam a ser “obrigadas” a tornar-se homossexuais.

Tal como a história sobre o ataque ao padre em Avignon, o tema homofóbico funcionava em conjunto com fake news sobre a religião.

Em Janeiro do ano passado, Igor Druz, um perito do Instituto Russo de Estudos Estratégicos, declarou a um jornal russo que os líderes da União Europeia estavam a tentar “erradicar o cristianismo”.

Homofobia

No ano passado, meios de comunicação pró-Rússia também afirmaram que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em Estrasburgo estava a planear banir o baptismo e que as pessoas nos países da União Europeia eram multadas por usar jóias com cruzes cristãs quando andavam na rua.

Muitas vezes, as operações do Kremlin para exercer influência no estrangeiro eram pouco coerentes.

A Rússia apresenta-se como uma barreira contra o suposto crescimento do fascismo na Europa, ao mesmo tempo que apoia partidos neonazis como o NPD e o movimento de extrema-direita Pegida, na Alemanha.

A Rússia tem apoiado principalmente partidos de extrema-direita, como a Frente Nacional em França ou a AfD na Alemanha, mas também apoiou partidos de extrema-esquerda anti-europeístas, como o Partido Comunista e o Partido Verde em França e o Die Linke na Alemanha.

Neste contexto, o lugar central da homofobia na ideologia anti-União Europeia do Kremlin torna-se clara quando este não cooperou com Geert Wilders, o principal político anti-europeísta nos Países Baixos.

Anton Shekhovtsov, um perito sobre a Rússia no Instituto de Ciências Humanas em Viena, contou ao EUobserver que Wilders não se enquadrava devido às suas políticas sexuais.

“Os agentes russos que estão envolvidos na construção de ligações à extrema-direita europeia são homofóbicos – isso podia prejudicar Wilders, que se posiciona como pró-LGBTI,” explicou Shekhovtsov.

Tirando o sexo, a campanha russa contra a França e a Alemanha também explorava o tema polémico do terrorismo e o trauma histórico do nazismo.

Nesta área, a propaganda Russa também era pouco coerente.

Segundo uma narrativa, os líderes da União Europeia foram acusados de serem fracos de mais para proteger os seus cidadãos de terroristas de origem migrante.

Segundo outra narrativa, que surge repetidas vezes em notícias individuais sobre a França e a Alemanha, os líderes da União Europeia e dos Estados Unidos eram acusados de organizar secretamente ataques jihadistas de bandeira falsa, porque estes serviam de pretexto para impor um domínio supranacional.

Esta corrente teve início em notícias escritas em alemão e em checo, segundo as quais as autoridades francesas tinham “encenado” o tiroteio na revista satírica Charlie Hebdo, em Paris, em Janeiro de 2015, de forma a justificar uma repressão do partido anti-europeísta Frente Nacional.

Em Março de 2016, fontes russas afirmaram que Merkel tinha organizado os bombardeamentos de Bruxelas e publicaram o que afirmaram ser uma “selfie” da chanceler junto de um dos atacantes – que era, na verdade, a fotografia de um refugiado sírio sem nenhuma relação com os ataques.

Estas fontes afirmaram que os Estados Unidos tinham encenado o ataque com um camião em Nice, no mês de Julho, de forma a castigar os franceses por protestarem contra um acordo de comércio livre entre os Estados Unidos e a França.

A um nível mais baixo, acusaram os serviços de espionagem de Merkel de organizarem os ataques sexuais da Passagem de Ano, em Colónia.

Também fizeram a alegação infundada de que os serviços de espionagem alemães tinham organizado um ataque de fogo posto contra Frauke Petry, o líder da AfD, o principal partido anti-europeísta na Alemanha.

Outro tema de propaganda afirmava que Merkel era uma cripto-nazi que queria impor o governo alemão na Europa.

Germanofobia

Isto pretendia fomentar a germanofobia nos países da União Europeia, muitos dos quais sofreram grandes perdas durante a II Guerra Mundial, e para legitimar o autoritarismo e o revanchismo de Putin através de alusões a Estaline, cujo regime totalitário derrotou as forças de Hitler.

Também foi concebido para promover partidos anti-europeístas na Europa, ao apresentar a União Europeia como um veículo para a agenda nazi atribuída a Merkel.

Em Dezembro de 2015, a Ren TV fez uma alegação sem fundamento de que o nazismo estava em crescimento na Alemanha, porque as editoras tinham publicado cópias de Mein Kampf, a autobiografia de Hitler.

Uma história semeada pelos meios de comunicação da Geórgia, em Abril do ano passado, afirmava que Merkel era filha de Hitler.

Vários artigos publicados em Junho do ano passado e em Fevereiro deste ano alegavam que os soldados alemães colocados na Lituânia como parte de um batalhão da NATO, com o objectivo de dissuadir a agressão russa, constituíam uma força de ocupação, seguindo o modelo da Operação Barbarossa – o plano de Hitler para conquistar a União Soviética.

Uma história publicada em Fevereiro nos meios de comunicação da República Checa também alegava que a Polónia tinha sido incorporada no “Quarto Reich” de Merkel.

Em Fevereiro do ano passado, artigos anti- União Europeia afirmaram que a comissão Europeia tinha sido fundada com base em ideias nazis, uma referência ao seu primeiro presidente, Walter Hallstein, que tinha estado no exército alemão durante a ocupação da França mas que, na verdade, tinha rejeitado a ideologia nazi.

Em Maio, outra corrente de histórias em meios de comunicação em língua checa, inglesa e russa descreveu a União Europeia como uma continuação dos planos nazis.

Estas afirmavam que a União Europeia era um regime totalitário que impunha a lealdade a Merkel e que as crianças europeias eram forçadas a dormir com bonecas em forma de Hitler.

Teorias da conspiração

Algumas histórias falsas foram ainda mais longe, no domínio de teorias da conspiração loucas.

A Sputnik noticiou que o traçado de um edifício da NATO em Bruxelas tinha como modelo a insígnia das brigadas SS.

O infowars.com, um blogue americano, citou David Icke – um antigo apresentador de televisão britânico que acredita que o mundo é governado por lagartos alienígenas –, afirmando que a União Europeia e os Estados Unidos tinham organizado a crise dos migrantes de modo a impor uma nova ordem mundial.

Em Junho, um jornal pró-russo na Geórgia também afirmou que os líderes europeus tinham participado num ritual satânico num túnel ferroviário na Suíça.

O diplomata europeu disse ao EUobserver que as teorias da conspiração eram uma parte “menor” mas “essencial” da campanha de desinformação da Rússia, que tinha como alvo minorias marginalizadas da sociedade europeia.

“Veja-se como as conspirações contra os judeus resultaram para Hitler. Numa sociedade desestabilizada, as conspirações são uma mensagem muito agradável: dizem às pessoas que a culpa não é delas, que podem culpar outros,” explicou.

“Elas encontram o seu público e apoiam a mensagem geral: “Não confiem em ninguém. Nada é certo. Tenham medo.”

Janda, do think tank de Praga, afirmou que as teorias da conspiração do Kremlin eram concebidas para recrutar escritores extremistas na União Europeia, usando meios ideológicos e não financeiros.

Janda explicou que as conspirações apelavam às ideias destes habitantes da União Europeia, fazendo com que tenham maior probabilidade de confiar nas histórias russas menos bizarras e de as reproduzir “de maneira gratuita”.

“A Rússia capta teóricos da conspiração e extremistas [ocidentais] num sentido ideológico, ao fornecer narrativas que fazem sentido para eles… depois, estas pessoas [repetem as outras histórias da Rússia] de maneira gratuita, porque acreditam nelas,” afirmou.

O objectivo da East Stratcom, segundo o serviço de relações exteriores da UE, é combater “as campanhas de desinformação da Rússia que estão em curso”.

No entanto, o seu Relatório de Desinformação também inclui algumas histórias criadas pela publicação americana de extrema-direita Breitbart e por  tablóides eurocépticos britânicos.

As histórias do Breitbart copiam as mensagens anti-migrantes da Rússia a um nível considerável.

Um artigo publicado pela sede desta publicação em Londres, em Janeiro de 2016, incluía a mesma história presente nos meios de comunicação pró-Russos, que afirmava que o líder do Pegida estava a ser perseguido pelo establishment alemão por usar uma t-shirt com a frase “Rapefugees Not Welcome” (“Os refugiados-violadores não são bem-vindos”.)

Na verdade, o processo legal em questão foi despoletado por Juergen Kasek, uma figura menor da oposição sem ligações aos partidos principais.

Outra história do Breitbart, publicada em Janeiro do ano passado, afirmava que uma multidão a cantar “Allahu Akhbar!” tinha pegado fogo à “igreja mais antiga” da Alemanha, St. Reinold, em Dortmund.

Na verdade, o pequeno incêndio teve origem num foguete que caiu num andaime durante as celebrações da Passagem de Ano – e a igreja em questão não era a mais antiga da Alemanha, o que diminuía o seu valor simbólico.

Um artigo publicado em Outubro do ano passado no The Sun, o tablóide mais vendido no Reino Unido, fez a alegação igualmente infundada de que as autoridades alemãs estavam a pagar 360 mil euros por mês em prestações sociais a um refugiado sírio que tinha quatro mulheres e 23 filhos.

Não há provas que liguem o Breitbart ao Kremlin, mas o FBI está a estudar esta possibilidade, como parte de um inquérito mais alargado sobre as eleições americanas do ano passado, segundo o diplomata europeu.

O Breitbart era dirigido por Steve Bannon, que actualmente é o principal estratega do presidente americano, Donald Trump.

O diplomata afirmou que os tablóides britânicos como o The Sun, o Daily Mail e o The Express, que publicaram centenas de notícias distorcidas anti-migrantes e anti-União Europeia, também o faziam com “objectivos políticos nacionais”, para justificar a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, em Outubro do ano passado.

O diplomata avisou que, se as instituições europeias se queixassem da desinformação nos meios de comunicação britânicos, franceses ou alemães, arriscavam-se a alimentar sentimentos anti-União Europeia, baseados na sua interferência em questões de soberania nacional.

Prejuízos no longo prazo

Jakub Janda, do think tank checo, antecipou que a propaganda russa iria incidir cada vez mais em Macron, na véspera das eleições francesas de Abril e Maio.

“O objectivo da Rússia é claro – todos menos Macron,” garantiu.

Ele acrescentou que o êxito de Moscovo em influenciar o resultado das eleições francesas dependeria “do quanto conseguem prejudicar Macron”.

Pouco depois das alegações sobre o caso homossexual, em Fevereiro, um website falso – inspirado no jornal belga Le Soir – afirmou também que a campanha de Macron fora financiada pela Arábia Saudita.

Esta notícia falsa foi partilhada no Twitter pela deputada Marion Maréchal-LePen.

O diplomata europeu previu que a campanha russa na Alemanha se iria centrar nos migrantes, na véspera das eleições alemãs do Outono, “com mais vítimas falsas, histórias falsas e ao desenvolver a narrativa de que a Alemanha está em colapso por causa das políticas [de imigração] de Merkel.

Os meios de comunicação dominantes em França e na Alemanha lançaram projectos para desmascarar notícias falsas, semelhantes ao East Stratcom, e as autoridades alemãs estão a tomar medidas de regulação para combater as fake news.

Só o futuro dirá se a Rússia vai concretizar na Europa o que ajudou a concretizar nos Estados Unidos, com a inesperada eleição do populista Trump.

No entanto, a campanha mediática russa, que começou muito antes do lançamento da East Stratcom, dificilmente irá terminar depois das eleições francesas e alemãs, mesmo que estas não corram como Moscovo quer.

Os meios de comunicação americanos de extrema-direita, como o Breitbart, e os tablóides britânicos também estiveram em actividade durante anos antes da eleição de Trump e do referendo sobre o "Brexit", de forma a ajudar a criar sentimentos anti-establishment e anti-União Europeia com raízes cada vez mais sólidas e ramos cada vez mais alargados.

As suas acções deram frutos num momento em que outros factores económicos e políticos convergiram para criar o ambiente ideal.

O “ecossistema” de propaganda da Rússia, com a sua mistura de meios de comunicação financiados pelo Kremlin, representantes “idiotas úteis” e o seu foco em assuntos altamente emocionais criam agora um solo fértil na Europa para a existência de choques políticos, no curto ou no longo prazo.

“O sexo fica na memória”, como disse o diplomata europeu.

Exclusivo PÚBLICO/EUObserver

Tradução: Rita Monteiro

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