Há filtros para prevenir o sobreendividamento, mas não são cumpridos

Portugal está em incumprimento na transposição da directiva comunitária que responsabiliza os bancos por crédito concedido indevidamente.

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As instituições de crédito continuam a não ser penalizadas por concederem empréstimos a quem já exibiria sinais de risco de incumprimento. Diogo Baptista

O elevado incumprimento no crédito ao consumo é explicado pela facilidade com que os consumidores conseguem pedir novos créditos, muitas vezes para pagar outros já vencidos. Estas situações de sobreendividamento podiam ser travadas pelas instituições de crédito, que através da consulta da Central de Responsabilidades de Crédito conseguem ter acesso ao histórico de crédito de cada cliente, bem como ao nível de sinistralidade (falhas de pagamento) já verificado.

Mas tirando a situação em que, mesmo depois de avançar para os tribunais ou de recorrer a empresas de cobranças, não conseguem receber o dinheiro emprestado, as instituições financeiras não sofrem qualquer penalização. Não são obrigados a perdoar parte ou a totalidade da dívida que, com a informação disponível, já não poderiam ter concedido. Ao Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS) da associação de consumidores Deco chegou, em 2016, um total de 29.530 pedidos de ajuda, sendo que, em média, as famílias apresentam mais de cinco empréstimos, em incumprimento ou em reestruturação. O recurso a novos cartões de crédito para pagar outros créditos em dívida é fácil e recorrente por parte de famílias já em descontrolo financeiro.

A Comissão Europeia pretende responsabilizar os bancos pelo excesso de crédito concedido, obrigando-os a avaliar a capacidade dos clientes para cumprir os créditos. Essa medida faz parte da directiva 2014/17/EU, que Portugal já deveria ter transposto para o direito nacional no ano passado. A directiva, que visa prevenir “o endividamento insustentável”, deveria ter sido transposta até Março de 2016.

A regulamentação bancária nacional já incorpora alguns das normas da directiva, mas não todas, como a da avaliação da solvabilidade dos clientes ou a introdução de regras mais apertadas ao nível da competência técnica e à remuneração dos colaboradores das entidades financeiras a trabalhar na área da concessão de crédito.

Não menos importante é a regulação da actividade de intermediário de crédito, que não acontece actualmente. E com muita frequência, as famílias endividadas recorrem a empresas que se dizem especialistas em reestruturações de crédito, que prestam mais serviço, ou simplesmente cobram comissões elevadas à cabeça e depois nada fazem porque os contratos de crédito já estão em execução (nos tribunais) e não é possível fazer nada.

Dos quase 30 mil pedidos chegados à Deco no ano passado, apenas cerca de 2700 puderam ter um acompanhamento atempado, de forma a evitar a entrada em processo de execução.

Para prevenir situações de sobreendividamento foi criado o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), que entrou em vigor também em 2013, e que estabelece que  “as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adoptando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa”.

Entre outras obrigações, os bancos tinham que “implementar sistemas informáticos que possibilitem a identificação oportuna da ocorrência de factos que indiciem a degradação da capacidade financeira do cliente bancário para cumprir, emitindo os correspondentes alertas”. Ao contrário do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), em que há comunicação ao Banco de Portugal, no PARI não foi estabelecida qualquer exigência de prestação de informação sobre o seu cumprimento.

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