Lista de empregadores de trabalho escravo no Brasil está por publicar desde 2014

Um ping pong judicial está a impedir, há mais de dois anos, a publicação da "lista suja" de empregadores brasileiros apanhados a submeter pessoas a trabalho escravo.

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O Índice Global da Escravatura aponta que os casos de trabalho escravo no Brasil estão mais concentrados nas áreas rurais Reuters/FINBARR O'REILLY

Desde 2014 que o Governo brasileiro deixou de publicar a lista das empresas apanhadas a submeter os trabalhadores a condições análogas à escravatura.

Criada em 2003 e considerada um modelo para a erradicação da escravatura contemporânea, conforme refere a BBC Brasil, a chamada “lista suja do trabalho escravo” impede que os empresários assinalados possam pedir empréstimos ou celebrar contratos com empresas e bancos públicos. Mas tem sido recorrentemente contestada.

O mais recente avanço na "batalha judicial" sobre a publicação da lista aconteceu na terça-feira passada, com uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que suspendeu novamente a divulgação do rol de empresas infractoras.

No último embate legal sobre o assunto, que voltou a ganhar força no final do ano passado, a Advocacia-Geral da União (que representa o Governo brasileiro) pediu o adiamento da publicação do documento, para “dar mais segurança jurídica para a política pública, reduzindo o número de questionamentos judiciais à publicação”. Segundo o Ministério do Trabalho, o diploma que regula a elaboração da lista não garantia aos cidadãos “instrumentos de efectivo exercício dos direitos constitucionalmente assegurados ao contraditório e à ampla defesa”.

Dando razão ao Governo, o magistrado do TST Ives Gandra Martins afirmou que “o nobre e justo” combate ao trabalho escravo “não justifica atropelar o Estado democrático de Direito, o devido processo legal, a presunção de inocência e o direito à ampla defesa”, contrariando assim uma decisão anterior da Justiça do Trabalho.

Com a nova decisão do tribunal, um grupo de trabalho composto por representantes de vários órgãos do Governo e da sociedade civil terá quatro meses para debater as actuais regras para a divulgação da lista de empresas e sugerir possíveis alterações — e só então o rol de infractores poderá voltar a ser divulgado.

Interesses económicos

“A verdade é que por trás desse impasse da divulgação da lista suja há interesses económicos fortes. Quem vai figurar são grandes empresas, pessoal do agronegócio e grandes construtoras”, acusa o procurador Tiago Cavalcanti, coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do Ministério Público do Trabalho, à edição brasileira do jornal El País.

A primeira intervenção dos tribunais para suspender a listagem aconteceu em Dezembro de 2014, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, Ricardo Lewandowiski, aceitou um pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que reúne algumas das principais empresas de construção do país, para suspender a publicação da "lista suja" do trabalho escravo por não prever canais de defesa contra a inclusão de nomes no rol de infractores.

A Abrainc é presidida por Rubens Menin, presidente do conselho de administração da empresa MRV Engenharia, a maior construtora do programa de habitação social "Minha Casa Minha Vida" e uma das empresas brasileiras que já foram apanhadas em infracções por explorar trabalho escravo, de acordo com o El País

Para o procurador do trabalho Tiago Cavalcanti, o argumento do Governo de que a defesa dos acusados está a ser prejudicada é "absurdo", já que "o nome do infractor só é incluído na lista a partir do momento em que não cabe mais recurso", refere à Deutsche Welle

Em Maio do ano passado, pouco antes de Dilma Rousseff abandonar o Governo para enfrentar o processo de destituição, o Ministério do Trabalho actualizou as regras para inclusão de empresas no rol, que passou a depender da "aplicação de um auto de infracção específico para condições análogas às de escravo". A actual presidente do STF, Cármen Lúcia, revogou em seguida a decisão que suspendia a divulgação da lista.

Ainda assim, a lista não voltou a ser publicada pelo Governo, o que levou o Ministério Público do Trabalho a apresentar, em Dezembro, uma acção civil pública a pedir a divulgação imediata da lista. Essa acção resultou numa ordem dos tribunais para publicação da lista — a mesma que foi agora anulada pelo TST.

Actualmente, estima-se que o Brasil tenha 161 mil pessoas submetidas a formas de escravatura moderna, segundo a última edição do Índice Global da Escravatura elaborado pela Walk Free Foundation, noticiada pelo portal G1. O relatório do ano passado apontava que os casos de trabalho escravo estavam mais concentrados nas áreas rurais, especialmente em regiões do Norte do país como o Cerrado e a Amazónia. 

O presidente da Walk Free Foundation, Andrew Forrest, apontava o Brasil como um exemplo na aplicação de leis com “foco na transparência da cadeia de produção de todos os bens e serviços importados ou vendidos”, referindo-se à "lista suja" — e agora suspensa — do trabalho escravo.

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