Outubro de 1917

Está o Bloco disponível para pensar respostas novas de esquerda, Para pensar, em termos mais gerais, novas políticas que nos conduzam a um resultado menos radical mas provavelmente mais benéfico e plausível,

1. Assinala-se, este ano, o centenário da Revolução de Outubro na Rússia. As revoluções dão nas vistas: são episódios violentos de rutura institucional que só se sustentam quando a razão se combina com a emoção exacerbada, suscitando adesões e rejeições apaixonadas. Marcam, por isso com intensidade as memórias individuais e coletivas e constituem-se, com facilidade, em marcos históricos reconhecíveis.

2. As eleições dão menos nas vistas. São episódios pacíficos de escolha em que, em regra, mas nem sempre nem totalmente, a razão tende a prevalecer sobre a emoção, ainda que não a anulando. São, de qualquer forma, episódios de normalidade institucional, mesmo quando o seu resultado permite iniciar mudanças sociais profundas e duráveis. Por isso passam mais despercebidas enquanto candidatos a marcos históricos.

3. Para uma história mais completa da esquerda, convirá no entanto lembrar que 1917 não foi apenas o ano da Revolução Russa. Foi também o ano em que, na sequência de eleições democráticas, tomou posse em Estocolmo, no dia 19 de outubro, o primeiro governo com participação do Partido Social-Democrata Sueco, o mais votado naquele ato eleitoral. Seguiu-se uma permanência prolongada no poder, intercalada com alguns afastamentos, num como noutro caso na sequência de eleições, em que foi sempre o partido mais votado, com uma influência profunda na vida social da Suécia e de toda a Escandinávia. Nascia, há 100 anos, o modelo social nórdico que combinou, com sucesso invejável, as dinâmicas do capitalismo com a promoção da igualdade.

4. O modelo social nórdico não é o paraíso. Nem nas intenções dos que o promoveram, nem nos resultados da sua ação. É um regime social humanamente imperfeito, com limites e problemas que suscitam reflexão e reinvenção permanentes. Mas também não é o inferno das consequências perversas das ruturas institucionais rápidas e profundas, o outro nome para as revoluções. E, no ano do aniversário comum dos dois Outubros, é difícil não reconhecer nas reformas sociais-democratas uma clara vantagem sobre as ruturas introduzidas pela Revolução Russa, quando, na sua avaliação, ponderamos sobretudo os resultados obtidos.

5. Porém, a social-democracia atravessa uma crise grave por inadequação de algumas das suas respostas clássicas aos problemas de hoje. Uma crise que facilitou no passado recente a ascensão neoliberal e facilita agora o caminho da nova direita nacionalista e populista. Para salvar o capitalismo destas mãos, a esquerda social-democrata necessita de respostas para problemas como, por exemplo, o da redução das desigualdades crescentes com políticas distributivas e não apenas redistributivas. Ou como melhorar o funcionamento e dinamismo dos mercados combatendo, ao mesmo tempo, a concentração do poder económico e a sua crescente influência sobre o poder político. Ou, ainda, como regular a globalização sem cair nas armadilhas do nacionalismo e do protecionismo.

6. Em setembro de 2016, na Conferência Socialista organizada pelo PS, em Coimbra, a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua lançou um repto aos participantes: até onde estaria o PS disposto a ir para constituir uma alternativa ao sistema capitalista? Em 2017, cem anos depois dos dois Outubros, e refletindo sobre a bifurcação dos caminhos de resposta das esquerdas ao capitalismo liberal desregulado, respondo com outro repto. Está o Bloco disponível para pensar respostas novas de esquerda a problemas como os acima identificados? Para pensar, em termos mais gerais, novas políticas que nos conduzam a um resultado menos radical mas provavelmente mais benéfico e plausível, como seria um capitalismo que favorecesse a maioria e não apenas uns poucos privilegiados, para usar as palavras de Robert Reich.

 

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